leci brandão
A carteira assinada só veio depois que relatei a minha busca a uma amiga que me explicou o que a tal “boa aparência” significava. Ela disse que eu nunca preencheria nenhuma vaga se não fosse por meio de uma indicação ou algo parecido.
Hoje, não vemos mais anúncios pedindo a “boa aparência”, mas isso não quer dizer que a vida ficou muito mais fácil para as mulheres negras. Hoje, enquanto deputada estadual, recebo denúncias de mulheres que não ascendem em suas carreiras, principalmente no mundo corporativo, por causa de seu cabelo crespo, ou que sofrem assédio para que se adaptem a um padrão estético considerado aceitável.
O racismo é uma forma de opressão perversa e cruel. Ele garante a manutenção de estruturas repressivas e autorizam atrocidades como o genocídio da juventude negra e a exploração do nosso trabalho em troca dos salários mais baixos e nas piores condições.
Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, data de luta e reflexão, não podemos ignorar a desigualdade racial e de gênero que atinge a mulher negra, pois, se nossa luta por emancipação é internacional, também é certo que ela deve considerar a questão racial. Precisamos, sim, de um feminismo negro. A boa nova é que são evidentes os sinais de crescimento desse feminismo no Brasil. Nas ruas já se fazem notar os cabelos crespos ou trançados e turbantes coloridos. Para os que pensam que essa mudança estética é algo supérfluo, um recado: não se trata apenas de cabelo. Estamos falando de protagonismo, de poder e de política.
Estamos colhendo os frutos de décadas de luta do movimento negro somadas às políticas públicas inclusivas iniciadas em 2002, com a eleição de Lula, como a instituição do ProUni (Programa Universidade para Todos) e das cotas para negros e indígenas nas universidades. Porém, continuamos três degraus abaixo na escada da igualdade racial e de gênero. Para citar apenas um exemplo dessa disparidade, 61,6% das 6,5 milhões de mulheres que exercem o trabalho doméstico remunerado no Brasil são negras, pobres e com baixa escolaridade, a maioria sem vínculo trabalhista formal; por outro lado, na Câmara dos Deputados, as mulheres negras são pouco mais de 2%.
O racismo é mantenedor de estruturas de poder e não podemos desconsiderá-lo em nenhum momento.
Hoje temos algumas leis que nos amparam e um Estatuto da Igualdade Racial, mas a nossa maior conquista hoje é o nosso fortalecimento coletivo: “Uma sobe e puxa a outra”.
É puxando umas às outras que vamos ocupar os espaços de poder. Não temos como mudar um Congresso reacionário, que ataca as mulheres, principalmente as negras, se não participarmos da política, se não elegermos cada vez mais mulheres que falem e defendam as causas que realmente farão uma diferença positiva em nossas vidas.
Estamos vivendo a ameaça de uma democracia sufocada. Reelegemos a presidenta Dilma e é fundamental que as comemorações deste 8 de Março sejam marcadas pela defesa da democracia e contra o retrocesso. Hoje, esta é a nossa pauta mais urgente. Temos que garantir essa democracia, pois, sem ela, nossas lutas não vão avançar.
2016 é ano eleitoral e a pergunta que faço é: quantas mulheres pretendemos eleger nas próximas eleições? Quantas mulheres negras?
Eu conheço as dificuldades das mulheres, principalmente, das mulheres das pontas, das favelas, das periferias, das ocupações e dos quilombos. Conheço de perto o machismo e o racismo porque sempre lidei com eles. Por isso mesmo sei que se não estivermos no Poder, de verdade, nossas lutas serão ingratas.
Se não colocarmos mais mulheres negras e das periferias nos representando nas câmaras municipais, prefeituras, governos estaduais, assembleias legislativas, na Câmara Federal e no Senado, não vamos avançar.
Nossa luta por emancipação e mais desenvolvimento continua atual, mas não haverá mudanças se a luta das mulheres também não for pela superação do racismo.
Nenhum direito a menos!
Nenhum passo atrás!
Viva o 8 de Março!
*Leci Brandão é cantora e compositora e deputada estadual pelo Partido Comunista do Brasil de São Paulo, exercendo atualmente o segundo mandato. É a segunda mulher negra a assumir uma cadeira na história de 180 anos da Assembleia Legislativa paulista