Sued Lima: De pedras, balas e diplomacia

É sempre surpreendente observar a desenvoltura com que o governo israelense tenta impor em suas relações internacionais um padrão de comportamento similar às ações que desenvolve internamente contra o povo palestino.

Por Sued Lima*

Bandeiras da Palestina

Há pouco mais de um mês, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu acusou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, de estimular o terrorismo na região. O estímulo decorreria das críticas de Ki-moon à expansão de assentamentos judaicos em territórios palestinos. A crescente ocupação que se desenvolve com apoio das forças armadas israelenses estaria na raiz das repetidas revoltas.

No início do corrente ano, o diplomata e professor da USP Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador da Comissão Internacional de Inquérito para a Síria e membro da extinta Comissão Nacional da Verdade, no Brasil, postou em sua página no facebook um vídeo chocante em que soldados israelenses instalados em veículo blindado disparam arma de fogo contra jovens manifestantes palestinos que revidam com pedras. A cada manifestante atingido uma alegre comemoração ocorre no interior do bunker. Talvez se explique aí o macabro placar de 175 palestinos para 27 israelenses mortos na atual onda de violência, iniciada em outubro de 2015. Simultaneamente a tais acontecimentos, o governo de Israel anunciou a construção de mais de 150 assentamentos em territórios palestinos.

Cabe lembrar que respingos do conflito já chegaram ao Brasil, através de atos de grosseria explícita desfechadas pela diplomacia israelense. Em 2014, a posição brasileira contra a brutalidade do ataque a Gaza produziu ofensas por parte de porta-voz de Netanyahu, com a afirmação de que o Brasil seria anão diplomático e politicamente irrelevante.

Em meados do ano passado, em nova investida pouco ortodoxa, o governo israelense tentou impor ao Brasil a aceitação de um embaixador, Dani Dayan, líder de colonos hebreus na ocupação de áreas palestinas. O atropelo dos protocolos diplomáticos foi de tal forma escancarado que mobilizou um grupo de embaixadores de diferentes correntes políticas a apoiar a posição do governo brasileiro, enquanto líderes das chamadas igrejas evangélicas manifestaram conjuntamente sua condenação ao Brasil.

Como entender o que leva a liderança política de um povo culto, com histórico de enorme sofrimento, a adotar comportamento tão provocativo em suas relações externas e tão feroz na repressão de populações indefesas, conforme relatos confiáveis sobre as sucessivas invasões da Faixa de Gaza?

Parte da resposta pode ser obtida em Hannah Arendt e sua teoria sobre a banalidade do mal, desenvolvida a partir do julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém. Suas reflexões se prendem à capacidade do Estado em transformar a barbárie sem limites em banal cumprimento de funções burocráticas.

Outra fonte de análise é a professora Nurit Peled Elhanan, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Filha de general herói de guerra, Nurit atribui a aceitação pacífica da violência contra os palestinos pelos jovens militares israelenses ao sistema educacional do país, montado para retirar daquele povo qualquer característica de humanidade.

Em vídeo disponível na internet, ela expõe em detalhes como os livros didáticos são elaborados com o objetivo de desumanizar o povo palestino e fomentar nos estudantes israelenses a base de preconceitos que lhes permitirá atuar de forma cruel e insensível durante o serviço militar que, não por casualidade, tem início tão logo concluem o ensino médio. Há uma visível intenção do governo em contar com recrutas preparados para cumprir ordens sem maiores questionamentos de natureza ética.

Os livros didáticos mostram os palestinos sempre como terroristas, com o rosto coberto, via de regra na prática de algum ato violento. Não são mostradas fotos de crianças palestinas, seus professores ou seus médicos. Os mapas geográficos que aparecem nesses livros indicam como israelense todo o território palestino. De forma racista, referem-se aos palestinos como “não judeus”.

Os livros que fogem a tais padrões de conteúdo ou que se referem a crimes cometidos por Israel são proibidos, retirados das bibliotecas e destruídos.

A Alemanha, ainda hoje, busca erradicar os vestígios do nazismo. O governo israelense parece cultivá-los.


*Sued Lima é Coronel Aviador Ref e pesquisador do Observatório das Nacionalidades

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