A classe média e o sindicalismo classista
O rótulo de "classe média" é sedutor numa sociedade que ainda não conseguiu se desvencilhar de sua herança escravocrata que considera o trabalho como algo inferior e indigno. É muito mais atraente identificar-se como "classe média" do que como "trabalhador". No entanto, a vida real oferece a essa classe muito mais a exploração dos trabalhadores do que o glamour da burguesia.
Por Igor Pereira*
Publicado 29/02/2016 13:01
O Fórum Social Mundial temático já em janeiro deste ano colocou o sindicalismo classista a refletir sobre classe social. Numa das mesas de convergência, ouvimos a argentina Norma Hernandéz dizer que a ideologia de classe média derrotou a candidata Cristina Kirshner nas eleições presidenciais ocorridas naquele país no final de 2015. Como sabemos, o presidente eleito Mauricio Macri é a versão "hermana" de Aécio Neves: neoliberal até as últimas consequências. Hernandéz disse que o governo Kirchner não ganhou ideologicamente a classe social beneficiada pelas políticas sociais de sua gestão. "O melhoramento das condições de existência não gerou consciência” afirmou ela, lembrando que cerca de 20% do eleitorado que votou em Macri teria sido beneficiado por políticas do governo Kirschner.
Aí passou um tempo e já em fevereiro a jornalista Cynara Menezes em seu blog polemizou com a filósofa Marilena Chauí sobre a tal classe média. Ela se disse chateada com a filósofa, que havia falado mal da classe média, pois ela era de classe média e não era fascista como caracterizara a intelectual. Novamente volta a classe média à tona. Mas afinal, o que é essa classe média, e como o sindicalismo classista se relaciona com ela?
Nós que somos classistas nos referenciamos pelas ideias de Karl Marx, pois nos interessa, como ele mesmo disse, não só interpretar a realidade, mas também transformá-la. Por isso, analisamos as classes em relação ao seu papel na estrutura de produção da sociedade. Sendo assim, chamamos de burguesia a classe que detém o controle sobre os meios de produção e chamamos de operários aqueles que produzem diretamente a riqueza ou a mais valia. O que acontece é que cada vez mais o trabalho que não produz diretamente a riqueza ou a mais valia ganha importância. Esse trabalhador tem sido chamado de classe média, pois não é nem o operário e nem o burguês. Seria uma classe intermediária entre os polos da luta de classes que move a História. Nessa classe se encaixariam os pequenos produtores, empregados no comércio, atacadistas, lojistas, gerentes e seus assistentes, supervisores, secretários, guarda-livros, funcionários e também advogados, artistas, jornalistas, clero e funcionários do Estado.
O fato dessa parcela da sociedade ser cada vez mais expressiva numa sociedade marcada pela desregulamentação do trabalho e hegemonia do capital financeiro e midiático, é que a chamada classe média acaba determinando o rumo político da sociedade. É evidente que é uma classe ideologicamente em disputa. A questão que definirá o rumo do Brasil é de que lado essa classe samba na luta de classes.
É evidente que interessa ao pensamento dominante descolar a classe média do operariado. A mídia persegue esse objetivo obstinadamente. O que são as novelas da Globo que enfatizam a chamada classe C como protagonistas? A "classe C" ou "nova classe média" objetivamente aumentou seus padrões de consumo nos últimos treze anos de governo Lula e Dilma. Mas o bombardeio ideológico faz de tudo para que ela atribua essa melhora a Deus, aos seus esforços pessoais, ao destino, à sorte, a qualquer coisa. Menos a sindicatos e a partidos políticos, instituições consideradas por essa mesma classe como menos confiáveis do que Igreja, exército, Mídia.
O rótulo de "classe média" é sedutor numa sociedade que ainda não conseguiu se desvencilhar de sua herança escravocrata que considera o trabalho como algo inferior e indigno. É muito mais atraente identificar-se como "classe média" do que como "trabalhador". No entanto, a vida real oferece a essa classe muito mais a exploração dos trabalhadores do que o glamour da burguesia.
Embora estejam sob o manto sedutor da classe média, qual é a real situação dos jornalistas nesse país? Estive nesse sábado (27/2) numa formatura do Jornalismo na UFRGS ouvindo a queixa dos jovens profissionais que lamentavam os baixos salários e a demissão em massa que a categoria sofre em todo o país. E os professores, de que lhes adianta o título ostensivo de classe média se são constantemente atacados pelas políticas neoliberais de governos em todas as esferas? Poderia aqui discorrer sobre outros exemplos, mas o artigo ficaria mais longo do que o planejado. O fato é que, por mais que sejam seduzidos pelo rótulo de uma classe média apartada dos trabalhadores, essa massa numerosa de profissionais vive de sua remuneração para pagar as contas, e não raro vive uma situação mais precária do que um metalúrgico de uma fábrica, por exemplo.
Portanto, cabe a CTB, que tem como princípio de organização o sindicalismo classista, aumentar seus esforços de disputa ideológica dos trabalhadores que tem o rótulo de classe média. Os escritórios, os palcos, as salas de aula, a formação acadêmica elevada, o padrão de consumo eventualmente mais elevado do que o trabalhador manual, tudo isso não vinculam esses trabalhadores com a burguesia. No fim das contas, eles também são explorados, mas são enganados pela ideologia dominante de que de alguma forma tem um "status diferenciado". Mera ilusão. A verdadeira burguesia o domina e manipula tanto quanto o operário fabril, e a chamada classe média nunca terá lugar no andar de cima, exceto para algumas exceções que só confirmam a regra.
É preciso atualizar o chamamento "proletários do mundo uni-vos" e entender que cada vez mais o proletariado exerce as chamadas funções da classe média. Precisamos incentivar a consciência de classe aumentando nossos esforços de atuação na juventude, nos Institutos Federais e Universidades Públicas, junto ao movimento estudantil. Mesmo os militantes de movimento estudantil tem dificuldade para se reconhecer como parte da classe trabalhadora. O fato de estudarem numa faculdade não os diferencia da classe trabalhadora. Eles esquecem que estão sendo formados para o mercado de trabalho, são seduzidos pelo "canto da sereia" e mesmo engajados nas lutas estudantis em grande parte não adquirem consciência de classe. Quantos militantes do movimento estudantil tem atuação sindical ao entrarem no mundo do trabalho? Precisamos conquistá-los para a ideia de que no mundo do trabalho a luta que fizeram no movimento estudantil será muito mais dura e por isso mesmo mais necessária.
Vai depender do quanto a tal classe média pegar pra si a consciência de que é classe trabalhadora e por ela decidir lutar, a vitalidade do projeto mudancista iniciado no Brasil há treze anos e que não só nesse país como na América Latina e mundo sofre graves ameaças. O crescimento da influência da CTB, principalmente entre a juventude trabalhadora, adquire, portanto, um significado estratégico para o êxito dos próximos embates da luta de classe no Brasil e região.