Fazendo o que os seus avós fizeram em tempos passados…
Ao longo dos anos a tradicional festa do carnaval do Recife tem sido palco de disputas no terreno simbólico sobre o caráter e a forma da folia. Olhando-o com mais atenção é possível identificar expressões carnavalescas nascidas entre as camadas populares urbanas e outras patrocinadas por segmentos mais abastados da população.
Por Maksandro Souza*
Publicado 07/02/2016 15:24
Duas manifestações (uma mais antiga e outra atualíssima) são emblemáticas do sentido e do significado que este último segmento gostaria de dar à folia.
Muito popular entre as elites recifenses, o corso surge no inicio do século 20 como uma alternativa dos mais favorecidos para transformar o espaço público da festa. Como explica Rita de Cássia Barbosa de Araújo, o cortejo seguia à moda europeia, em carros ornamentados, “onde as famílias abastadas divertiam-se atirando confetes, serpentinas e lança-perfumes umas às outras”.
O entrudo civilizado projetava um carnaval espetáculo, feito para os poucos bem-nascidos. À populaça caberia tão somente os aplausos, a contemplação e no fundo o reconhecimento de que a festa e o espaço urbano não lhes pertenceriam e sim à fidalguia rica e letrada.
Excludentes e elitistas, os camarotes de hoje parecem ser a atualização do ideal de carnaval das elites urbanas. Frequentar um desses espaços representa uma forma de não estar junto e tão pouco misturado ao povão. Busca-se um ambiente controlado e seguro, negando as evidências de que a segregação é a maior promotora da violência.
Simulacro de folia, os camarotes nutrem-se da necessidade que parcelas do público sentem de se diferenciar pelo consumo. Foliões tornam-se consumidores. Para satisfazê-los, cerca de duas dezenas de produtores da cidade se esmeram em oferecer uma estrutura invejável: open bar, boate e banheiros climatizados, spa, decoração temática, espaço gourmet, piso easyfloor em vez de ruas abarrotadas… Não faltam, é claro, referências a produtos premium e prime. Para se excelir da feroz concorrência alguns chegam a prometer inefáveis “experiências sensoriais e interativas”, seja lá o que isso for.
Resta o consolo de que os camarotes são fenômenos presentes em outros carnavais. Há muito tempo fazem sucesso nas passarelas do samba no Rio de Janeiro e em São Paulo. São quase uma instituição do carnaval soteropolitano onde ainda convivem com os blocos segregados por cordas. Felizmente, prevalece em Recife um carnaval popular, apoiado nos estratos mais humildes do nosso povo e em suas agremiações, algumas mais que centenárias, como Vassourinhas (1889), Pás (1890) e Lenhadores (1897).
Na cidade rebelde a todos é assegurado o direito de brincar, pular, amar e encher a cara. Fantasiar-se de rei, quando pobretão. De freira, chinês, maltrapilho, enfermeira, mangue-boy. Nas ruas, o indispensável contato com o outro fortalece vínculos sociais tão caros à convivência democrática. O reinado de momo é comandado por clubes, blocos, troças, ursos, escolas de samba (sim, aqui tem samba!) e caboclinhos. Ao som do maracatu e do frevo reafirma-se a pernambucanidade, um jeito de ser mais brasileiro.