Adeus Richard Levins (1930-2016)

O biólogo, geneticista, matemático e filosofo da ciência norte-americano Richard Levins deixou de viver nesta terça-feira (19), aos 85 anos de idade. Marxista, foi professor da Universidade de Harvard, e membro do Partido Comunista dos EUA. 

Richard Levins, filósofo marxista norte-americano

Na década de 1950, morou em Porto Rico para fugir da perseguição policial nos EUA. Lá, trabalhou na agricultura e na organização de movimentos rurais. Deu aulas na Universidade de Porto Rico entre 1961-1967, e foi membro destacado do movimento pela independência de Porto Rico.

Tinha dez anos de idade quando leu ensaios do biólogo marxista inglês J.B.S. Haldane, que considera igual a Albert Einstein em importância científica. Dizia que a metodologia usada em seu livro Evolution in Changing Environments (Evolução em Ambientes em Mudança) foi baseada na introdução do livro Grundrisse, que contém os rascunhos feitos por Karl Marx para escrever O Capital.

O Portal Vermelho publica neste domingo (24) artigo de Julio Muñoz Rubio sobre as constribuições e teses do cientista. A tradução é de José Carlos Ruy.

Em memória de Richard Levins

Por Julio Muñoz Rubio (*)

 

Ao conjunto de notícias trágicas que dia a dia nos caem como baldes de água fria, é preciso somar a da morte, ocorrida na terça-feira, 19de janeiro, do companheiro Richard Levins, professor da Universidade Harvard; ele era matemático, ecologista e um destacado filósofo da ciência e da biologia.

A obra de Levins é importante por suas contribuições científicas, desde a juventude, aplicando o método do materialismo dialético aos problemas da biologia contemporânea. Refiro-me explicitamente ao método defendido por Friedrich Engels em sua Dialética da Natureza.

Graças a ele, junto com seus inseparáveis companheiros Richard Lewontin e Steven Rose, Levins impulsionou uma profunda reflexão entre os evolucionistas sobre os equívocos de certos aspectos conservadores do darwinismo e em suas raízes ideológicas no mundo burguês. Pronunciou-se, nesse sentido, contra as concepções reducionistas e essencialistas na ciência em geral e na biologia e na biologia evolutiva em particular, que continuam concebendo erradamente o todo como a soma das partes e o organismo separado do ambiente. Este reducionismo dá a uma partícula essencial, ou molécula mestra, o conjunto de características dos seres vivos, atuando na fisiologia ou na morfologia dos seres vivos, tanto comportamental como culturalmente. E, nesse sentido, é muito limitado para abordar os problemas atuais da biologia.

Levins defendia a tese de que o mundo vivo deve ser compreendido como um conjunto de relações e totalidades concretas. Junto com Lewontin, publicou em 1985 a obra O biólogo dialético, que contém una compilação dos mais importantes textos que até então haviam escrito. Ali Levins, contrapõe-se de maneira contundente à dialética vulgar e de manuais, e levou adiante uma defesa esmerada desta corrente filosófica, tanto como teoria como em sua aplicação aos problemas agroecológicos e aos sistemas de saúde. A influência destes pontos de vista pode ser vista em muitas das manifestações da biologia do século 21, que estão colocando nas cordas o ideologizado reducionismo na biologia.

Em uma demonstração de consistência inflexível, Levins sempre manifestou sua convicção marxista revolucionária, que manteve até seu último alento. Convicção sempre acompanhada por um consequente compromisso militante. Durante cinco décadas fez constantes viagens à Cuba revolucionária, assessorando e intervindo diretamente nos problemas da produção agrícola. Em plena conflagração bélica, viajou ao Vietnã para solidarizar-se com a luta daquele povo heroico contra a intervenção estadunidense e recusou abertamente ser membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos devido ao apoio que esta academia dava ao governo de EUA naquela intervenção bélica; encabeçou, com Lewontin e Stephen Jay Gould, a oposição à sociobiologia, que qualificou como uma pseudociência a serviço dos interesses imperialistas. Desde os anos 70 fez parte do conselho editorial da revista Science for the People (Ciência para o povo), convencido de que a neutralidade na ciência é um mito e de que é uma atividade política na qual, conscientemente ou não, todos os cientistas se envolvem.

Levins foi um claro exemplo de coerência entre pensamento, palavra e obra. Nunca se deixou levar pelas tentações pós-modernas e do poder. Não sucumbiu aos cantos de sereia do neoliberalismo nem buscou alternativas em formas suaves ou “amigáveis” do capitalismo. Seu mundo nunca foi o dos galardões, prêmios ou passarelas. Sua ciência sempre foi uma ciência para o povo, como ele mesmo dizia.

Sempre lembrarei a visita que, em novembro de 2013, fez ao México e à UNAM (Universidade Nacional Autónoma do México), onde pronunciou três conferências históricas; a mais memorável delas no auditório Alberto Barajas, da Faculdade de Ciências, cheia até o topo de centenas de estudantes e professores que escutávamos uma verdadeira obra prima que, coerentemente, transitou da dialética e da filosofia da ciência até a ecologia de populações e o chamado ao compromisso revolucionário.

Levins escreveu:

Os seres humanos vêem o mundo natural como um reflexo da organização social dominante na realidade de nossas vidas. Uma visão do mundo evolutiva, sendo uma teoria da natureza da mudança, apenas aponta para uma sociedade revolucionária.

Seu exemplo foi uma eloquente e firme mensagem às novas gerações de cientistas e estudantes a favor de uma ciência comprometida com a justiça, a liberdade e a revolução
 

* Professor da UNAM

Crédito da foto de Richard Levins: Harvard