Guerra contra a escola pública
É lamentável que um jornal como O Estado de S. Paulo tenha redigido um texto tão frágil e panfletário (editorial “Protesto nada pacífico”, publicado em 31/12/2015), cumprindo um papel lastimável de porta-voz do governo do estado, quando deveria, pelo menos, cumprir seu papel informativo e esclarecedor da situação da educação pública na rede estadual paulista. Longe disso, o texto desqualifica o debate a partir de acusações preconceituosas e inconsistentes.
Por Maria Izabel Azevedo Noronha*
Publicado 08/01/2016 11:09
Mesmo sendo um texto jornalístico opinativo, deveria, no mínimo, ter o cuidado de apresentar elementos reais sobre a situação em que se encontra a escola pública estadual paulista. Ao contrário, o texto omite que o governo estadual vem reduzindo o investimento necessário à manutenção e melhoria da qualidade do ensino, como fez aprovando um orçamento para 2016 prevendo uma redução de 1 bilhão de reais com os salários dos profissionais do magistério, além da redução em despesas correntes e investimentos. Em outras palavras, se em 2015 os professores e demais profissionais da educação tiveram reajuste zero, para o ano de 2016 o governo não projeta nenhum alívio. Nem mesmo a reposição da inflação.
A superlotação das salas de aula, que foi um dos fatores que deflagrou a greve dos professores no primeiro semestre de 2015, além de comprometer o processo de aprendizagem, contribui para a expulsão de estudantes das escolas.
A precariedade na estrutura escolar, com a falta de equipamentos adequados, como lousa, giz, data-show, bibliotecas etc. não aparece, também, no texto como elemento fundamental que levou ao movimento de cobrança por parte dos alunos, professores e comunidade escolar, por mais qualidade de ensino. A ausência de uma gestão transparente com o dinheiro público não foi tão duramente cobrada neste artigo, que despreza as diversas denúncias que vieram à tona durante o processo de ocupação de escolas por parte dos estudantes, quando descobriram caixas e caixas de equipamentos fechadas, que poderiam ser utilizados, mas permaneceram guardados. Materiais como lousas e livros novos, todos encaixotados, equipamentos musicais de fanfarra etc.
Além de não tornar pública a situação de precariedade permanente das escolas públicas estaduais paulistas, o jornal O Estado de S. Paulo reforça seu discurso “chapa branca”, reproduzindo informações emitidas apenas pelas fontes oficiais, que apontam “prejuízos estimados em R$ 1 milhão” supostamente decorrentes das ocupações. Ora, se os próprios pais que foram às escolas verificar a situação atestaram o cuidado dos estudantes na manutenção e melhoria dos equipamentos escolares – pintaram paredes, cortaram mato, fizeram jardinagem – no que se sustentam estas acusações? Por que, afinal, depredariam as escolas que tanto cuidaram durante todo esse período?
Lembremo-nos, mais uma vez, da reunião secreta do chefe de gabinete da SEE com os dirigentes de ensino. Ali se faz uma declaração de guerra ao movimento. Nos dias seguintes, todos se recordam, ocorreram episódios de invasões de diversas escolas ocupadas por desconhecidos e também por tropas da PM. Esses fatos, a nosso ver, revelam mais sobre os danos que o governo alega ter encontrado do que as acusações sem provas que o Estadão levianamente apoia.
Para não prolongar a lista de elementos que foram desconsiderados neste texto, destacamos que no decorrer do ano de 2015 houve um recorde de professores efetivos que pediram exoneração de seus cargos na rede pública estadual. Este movimento é reforçado pela baixa intenção de estudantes que optam pelo magistério como profissão, refletindo todo um processo de desqualificação a que vem sendo submetida esta profissão nas últimas décadas.
É evidente o caráter panfletário deste editorial. Acusa sem provas os estudantes que ocuparam as escolas estaduais de depredações e roubos e afirma que a “A entrada em cena, logo no início das ocupações, de membros da diretoria do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), ligado à CUT, foi outra indicação segura de que as manifestações contra o projeto do governo estavam condenadas a degenerar.”
Esta frase, totalmente desprovida de sentido e sem apoio nos fatos – primeiro porque a Apeoesp foi a primeira entidade a questionar o projeto de reorganização da rede pública estadual, apontando suas inconsistências e consequências nefastas, além disso a Apeoesp tem longa tradição de realizar manifestações sem qualquer tipo de confronto ou violência. Este artigo demonstra claramente que o jornal está em sintonia com a estratégia do governo estadual de tentar “desmoralizar” o nosso Sindicato, conforme revelou o áudio da reunião realizada pelo chefe de gabinete da Secretaria da Educação com dirigentes de ensino em 29/11, divulgado pela organização Jornalistas Livres.
Devemos lembrar, também, que o jornal recebeu a visita do governador Geraldo Alckmin nos primeiros dias de dezembro, pouco antes de seu recuo, provocado pela forte rejeição popular ao projeto de reorganização. Esta visita certamente ajuda a explicar a postura do jornal contra o nosso Sindicato e contra o movimento do qual participamos.
Mais importante do que o recuo do governador, para nós, foi a decisão judicial que suspendeu a reorganização e determinou que o governo do Estado realize em 2016 processo de debates sobre a educação pública estadual, com ampla participação popular. Esta decisão atesta a legitimidade do movimento que a comunidade escolar e os movimentos sociais realizaram em 2015 e continuará neste ano que se inicia.
Que fique claro ao jornal O Estado de S. Paulo, ao governo do Estado e a tantos quantos estão com ele mancomunados: não nos intimidam. A Apeoesp prosseguirá sua luta em defesa da educação pública e dos direitos dos professores e de toda a comunidade escolar, em conjunto com estudantes, pais, funcionários e movimentos sociais. O movimento que impediu o fechamento das escolas foi o primeiro capítulo de uma nova etapa na rede estadual de ensino. A educação pública no estado de São Paulo nunca mais será a mesma.