Entrevista: Cid Gomes avalia cenário político nacional
Afastado dos holofotes, o ex-governador do Ceará Cid Gomes defende que a presidente Dilma Rousseff se desfilie do Partido dos Trabalhadores (PT) e assuma o compromisso público de não participar de campanha à sua sucessão.
Publicado 05/01/2016 10:15 | Editado 04/03/2020 16:25
Em entrevista ao Diário do Nordeste, ele afirmou que isso poderá "desarmar" o PSDB e sua posição mais radical. O ex-gestor chamou o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, de "morto vivo", afirmando ainda que parte do PT, hoje, é fisiologista, não se diferenciando de ações praticadas pelo PMDB.
Um ano depois de ter deixado o Governo do Estado, o senhor está fazendo hoje o quê?
Cuidando de coisas particulares. Digo sempre que quem tem vocação para vida pública não precisa de mandato para exercitá-la. Tenho visitado pessoas, lugares. Oficialmente, cuidando de coisas pessoais.
Em dezembro de 2014, em entrevista ao Diário do Nordeste, o senhor vaticinou momentos difíceis para o Governo Dilma Rousseff, com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara Federal. 2015 foi muito difícil para a política e economia nacionais. O que aconteceu foi além ou aquém?
É claro que não temos bola de cristal. Eu percebia, embora não tivesse informações privilegiadas de que ele (Eduardo Cunha) tinha conta A, B, C, D, E, F na Suíça. Mas a gente que está na vida pública acaba tendo informações sobre as pessoas. Eu sabia por muitos interlocutores que o estilo de atuação dele era da chantagem, da ousadia, do cinismo. Essa era a forma de ele conduzir a vida pública. À época (da entrevista) eu disse que se o Eduardo Cunha fosse eleito presidente da Câmara, a Dilma teria 70% da sua força executiva reduzida. E acho que ela acabou escapando (do impeachment) por pouco. Creio que esse tema impeachment está superado, pelo menos das informações que temos. Essa questão das pedaladas está superada. Há males que vêm para o bem. Se fosse outro na presidência (da Câmara), alguém honrado, alguém digno, ela não teria escapado. Esse porta estandarte do impeachment, com esse passado? As pessoas começaram a colocar um pé atrás, e a própria condição do vice (Michel Temer) tira esse entusiasmo das pessoas quanto ao impeachment. O presidente da Câmara, para mim, é um zumbi, um morto vivo.
Mas como zumbi ele ainda pode fazer muito mal.
Pode, mas é um malfeito por alguém que virou protótipo do mal, mais que a Dilma. Para muita gente, a Dilma foi a figura malquista do Brasil, mas ele tomou o lugar da Dilma e é a ponta de lança desse movimento de impeachment. E não é por ideologia, por nenhum interesse que não seja tirar o foco dos processos que estão contra ele. E com isso atrair simpatia de uma oposição que não tem outra proposta para o Brasil a não ser essa história de impeachment. É uma oposição que tem tradição de décadas de golpismo, e um fragmento grande da situação que eu dividiria em duas: a banda boa que foi financiada pelo Eduardo Cunha e outra banda igual a ele, que fica querendo protegê-lo, pois está com medo de que, ele saindo dali, o próprio possa vir a ser a próxima vítima. Infelizmente é a situação do Brasil. Repito: acho que ele é um morto vivo.
O senhor ficou mais conhecido nacionalmente quando apontou o dedo para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o chamou de achacador. O senhor se arrepende daquele ato?
Jamais me arrependeria daquilo que fiz. Nunca fiz proselitismo, nunca tive entusiasmo de ter discursos apelativos. Eu fiz uma declaração em ambiente fechado, dizendo que a Câmara, infelizmente, no Brasil, não tinha espírito público no seu sentimento hegemônico ou majoritário. E que estava ali um segmento que torcia para que o Brasil e que o Governo estivessem mal para que eles pudessem tomar mais, arrancar mais, achacar mais, fazer chantagens e troca de apoio. Eu sou parlamentarista e acho que o Parlamento no Brasil está muito mal. Mas acho que isso deve melhorar, afinal de contas os parlamentares são escolhidos pelas pessoas. O sistema parlamentarista dá muito mais estabilidade ao País, pois fica mais fácil de superar crises do que um governo presidencialista. Fiz a declaração, ela foi a público e fui convocado à Câmara. Lá não podia desdizer o que eu disse e jamais desdiria. Obviamente vi o esforço pessoal dele (Cunha) no sentido de me intimidar e, ao contrário, não me intimidei e repeti o que eu falei, colocando-o como o achacador-mor, o líder desse estilo lamentável de fazer política.
Tivemos 2015 muito ruim na área política e não menos ruim na econômica. Falhou o governo ou foi a política que influenciou o desastre na economia nacional?
Eu tendo a dizer que a base do problema, pelo menos, o estilo ruim da política no Brasil é crônica. O Lula teve que ceder ao fisiologismo, o Fernando Henrique também. Eles faziam isso conscientemente. Essa relação Executivo e Legislativo no Brasil é promíscua há muitas décadas. A gente precisa refundar essa relação no País. Obviamente, quando o Executivo tem apoio popular, ele acaba se sobrepondo e ficando menos vulnerável a chantagens. No caso de 2015, a matriz do problema é econômica. O Brasil, ao longo dos últimos anos, nessa relação cambial, com real sobrevalorizado sobre o dólar, nós fizemos uma farra de compras, de importações, de turistas, uma farra de consumismo em detrimento até do nosso setor que exporta. E a repercussão disso é a inflação. O Governo, a meu juízo, nos últimos anos, perdeu um pouco o controle dos gastos públicos. Já afastamos presidente da República, tivemos um presidente que suicidou-se, tivemos presidente deposto por golpe militar. Então, na hora que você teve a fragilidade econômica, a banda podre da política mostrou as garras e foi para cima do Governo. Ela não tem a menor preocupação do que está acontecendo com as pessoas, a preocupação é em se dar bem, é resolver seus problemas, suas demandas e colocar seus apadrinhados. Juntou a crise econômica, que acabou refletindo na queda de popularidade da presidenta e, na hora em que ela fica frágil, os maus políticos vêm pra cima para arrancar o seu pedaço. Esse é um resumo do ano de 2015 e acho que o ano de 2016 a gente tende a melhorar.
Tudo o que o senhor falou diz respeito à atuação de Governo. E o Governo atual, com a baixa popularidade, tem instrumento e coragem de agir?
É bom sempre que a gente diga qual é o pré-sentimento. Gosto da Dilma. Acho que ela é séria e bem intencionada. São dois pré-requisitos que, por incrível que pareça, são muito raros na política brasileira, a pessoa ser pessoalmente séria e bem intencionada. Esses atributos estão cada vez mais raros e todo o meu diagnóstico, toda a minha análise está contaminada por isso, por esse sentimento e impressão pessoal. Não é fácil. Agora penso que a Dilma chegou no fundo do poço e escapou por um triz de ser afastada do Governo, com o impeachment consagrado. Fico imaginando qual deve ser o interesse de uma pessoa como essa. Se eu tivesse lá e chegasse no fundo do poço, iria procurar recompor minha biografia. Tudo o que um político sério deseja é a sua memória. Penso que ela ainda pode fazer uma coisa como essa e tem caminhos para isso. As pessoas ficaram muito decepcionadas com a Dilma, se sentiram enganadas. É mais fácil destruir que construir. A popularidade para se recompor tem que ser, pelo menos, dois anos, e imagino que isso está passando pela cabeça dela. Ela não tem mais nada a perder.
No fim do ano passado, dois ministros, Jaques Wagner e Patrus Ananias, disseram que o PT está no fundo do poço. Deveria ter tomado posições há um tempo. É esse partido que reclama melhoria na economia. Será que com a posição do partido dela e ela, sem respaldo político fora do PT, tem condições de fazer mudanças?
Penso que há meio para tudo, pelo menos para tentar. O PT tem uma preocupação, que é da oportunidade de ter eleição já esse ano, e os caras não querem ser derrotados fragorosamente Brasil afora. Penso eu que, fora a questão da oportunidade, o que se deseja à esquerda é uma reorientação do Governo. O (ex-ministro da Fazenda Joaquim) Levy é o tipo mais simplório no sentido de comum que se pode ter. A atuação dele à frente da economia brasileira se resumiu a duas coisas: elevar juros, que é péssimo e é um tiro no pé, porque você cria mais despesas para o Governo; e o ajuste fiscal feito de forma linear, para não dizer burra. Você pode cortar 100% de determinada despesa para poupar e importar nada de outra despesa. O Levy, a meu juízo, sai e não deixará saudades. O (ministro da Fazenda Nelson) Barbosa é burocrata, diferente do Levy, que é de banco. Ele (Levy) estava fazendo o que interessava ao grande capital nacional. Em relação a Dilma, penso que há muitos caminhos para ela. Só pela postura de contraposição ao Eduardo Cunha, que assumiu nos últimos meses, ela teve pequena recomposição na sua popularidade. Um grande problema que ela tem é o antagonismo, os dois polos ideológicos no Brasil: O PSDB e o polo de esquerda, do qual se afasta cada vez mais o PT, que parece mais o PMDB. É fisiologismo puro. Ainda tem, lógico, pessoas idealistas, mas é cada vez mais rarefeito. E aí junta PDT, PCdoB, um segmento do PSB. Como é que poderia neutralizar esse antagonismo? Se ela se desfiliar do PT e assumir compromisso público de não participar de campanha à sua sucessão, deixar que as coisas aconteçam no meio da política, poderia desarmar um pouco o PSDB e a sua posição mais radical, golpista. Ela tinha que tratar essas coisas com o PT ideológico. O PT fisiológico ia ter que se render ao mesmo tratamento do PMDB, do PR e outros que têm o mesmo estilo.
Como o senhor avalia esse momento de ódio entre pessoas e partidos no Brasil, em que um lado não se mistura com o outro e às vezes, ao que tudo indica, desejam até a morte um do outro. O senhor acredita que isso tende a aumentar com o passar do tempo ou há possibilidade de diminuir? Qual o papel do Governo nisso tudo?
Realmente, existe uma fração muito radical, conservadora, e esse pensamento é ruim. O Brasil não pode se render a esse tipo de pensamento. Se for ver quem lidera esse movimento, quem estava à frente pelo impeachment é o que há de mais reacionário, mais conservador no Brasil. Esse pensamento é maléfico para o Brasil. Você tem outro polo, que é o polo ideológico das centrais sindicais, que não é o ideal. Há embutido ali corporativismo, que é ruim. Um País que escolhe o corporativismo como seu eixo político acaba dando no Fascismo como aconteceu na Itália. Isso são segmentos minoritários e, no meio disso tudo, estão as pessoas que não têm pensamento ideológico muito claro. Então, essa polarização poderia ser atenuada se a Dilma se desfiliasse e assumisse o compromisso de não permitir que o Governo influencie no processo da próxima eleição presidencial. Isso poderia arrefecer os "Bolsonaros" da vida, porque isso é o que há de pior.
Essa crise econômica, que atingiu a todos, a iniciativa privada, mas sobretudo o Poder Público. Os governos de Estado e prefeituras estão quase falidos. Como se recuperar isso?
Não é uma tarefa fácil.
Isso para evitar fazer indagação sobre o Governo do Ceará.
O Ceará tem perfil diferente da média nacional. O governador Camilo (Santana) me disse que vai investir mais que Minas Gerais. Um Estado que está investindo, teve dificuldades, mas tem percentual de investimento elevado. Você só faz investimento depois que pagar a folha e o custeio do Estado. O serviço público, para mim, não tem muita teoria. É permanentemente zelar para conter despesas e tornar eficiente as receitas. Tive a sorte de governar em um período que, em todos os oito anos, a receita do ano era maior que a anterior. Isso me deu maior conforto. E, para além disso, meu estilo de governador é que o primeiro ano é de poupança. Só sei trabalhar se eu tiver o dinheiro "ouvindo a conversa". Ao longo do ano, o Camilo procurou fazer o que é lição básica do Governo, procurou elevar as receitas, mas não conseguiu com os percentuais de impostos e taxas e teve que atualizar, como em muitos estados. Foi o ano da agenda negativa. Acho que, a partir de 2016, vai elevar investimentos. Mas não há atraso nos compromisso básico da máquina.