Rapsódia riograndense

Deparei com Tabajara Ruas pela primeira vez nos idos de 1984, quando a revista Oitenta, editada em Porto Alegre, publicou em forma de conto o primeiro capítulo de Os Varões Assinalados. Já nos anos 90, em Porto Alegre, vi o livro em um sebo da rua da Praia e recolhi-me com ele no velho hotel Embaixador.

Por Aldo Rebelo*

Tabajara Ruas

Li até o amanhecer. Eu sabia que gaúchos e pernambucanos escreveram a história do Brasil com caligrafia própria, mas o Rio Grande tinha ali o que faltava aos nordestinos: o ficcionista definitivo de sua epopeia.

Tabajara Ruas não encurrala o leitor entre a lenda e os fatos. Sua narrativa é livre como uma paisagem do pampa. Heróis e vilões são sobretudo humanos, despojados do moralismo fácil e dos julgamentos previsíveis. Talvez a exceção seja Teixeira Nunes, o comandante dos lanceiros negros, espécie de herói puro que se extingue ao final da narrativa pela lança de Manduca Rodriguez.

Os rapsodos do mundo antigo tinham por hábito tapar um dos ouvidos para melhor obter o controle da voz, ou, segundo Ismail Kadaré, transformar a voz de peito em voz de cabeça, costume, aliás, mantido até hoje pelos aboiadores sertanejos e para o qual nunca havia encontrado uma explicação plausível. 
Os Varões Assinalados é a rapsódia do Rio Grande reunindo em um único canto as tradições de Simões Lopes Neto, Érico Veríssimo ou Jayme Caetano Braun. Podemos ler OsVarões com uma mão sobre o ouvido.

Certa vez, em carta a Domingos José de Almeida, seu companheiro de jornada farroupilha, Garibaldi, já senhor da luta pela unidade da Itália, recomendava que o Rio Grande encontrasse um lugar digno onde fazer repousar os ossos de seus ilustres filhos. Tabajara Ruas fez mais: construiu com sua obra o altar sublime onde podem, ser apanhadas, em estado puro, a alma, a cultura e a identidade de todo o Rio Grande do Sul e, portanto, do Brasil.