Entidades levam ao MPF ação contra políticos donos de rádio e TV
Entidades que defendem o direito à comunicação e a democratização da mídia entregaram ao Ministério Público Federal, nesta segunda (23), um representação contra os 40 parlamentares brasileiros que possuem concessões de rádio e TV e contrariam, portanto, o que diz a legislação. Os representantes da sociedade civil organizada defendem que as licenças das emissoras dos congressistas sejam cassadas.
Publicado 23/11/2015 20:04
O que a ação pede é que a lei seja cumprida, uma vez que o Artigo 54 da Constituição já diz que deputados e senadores não poderão “firmar ou manter contrato” com “empresa concessionária de serviço público”.
E rádios e televisões são exatamente isso, um serviço público. O governo federal, por intermédio de concessão pública, autoriza a exploração dos serviços de radiodifusão a emissoras, que utilizam um espaço público e limitado chamado espectro de radiofrequência, por onde circulam os sinais de rádio e TV que as pessoas recebem em casa.
As entidades autoras da representação destacam que uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) confirma que a Constituição impede deputados e senadores de serem sócios de pessoas jurídicas titulares de concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.
“Segundo a Ministra Rosa Weber, ‘a proibição específica de que parlamentares detenham o controle sobre empresas (…) de radiodifusão’ visou evitar o ‘risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir para o livre debate e informação, fosse utilizado apenas em benefício do parlamentar, deturpando a esfera do discurso público.’”
As organizações da sociedade civil esperam que o Ministério Público Federal promova ações, em suas secções estaduais, para cancelar as concessões, permissões e autorizações de radiodifusão de emissoras que tenha políticos com mandato como seus sócios.
Entre os congressistas que possuem outorgas em seu nome, estão, por exemplo, Aécio Neves (PSDB), Edison Lobão (PMDB), Fernando Collor (PTB), Sarney Filho (PV), José Agripino (DEM) e Tasso Jereissati (PSDB).
Obstáculo à democracia
“Uma das distorções do sistema de mídia brasileiro é termos políticos que são concessionários de meios de comunicação, mesmo a legislação proibindo. Isso se configura em um forte poder político e econômico, que cria obstáculos à democracia. O fato de você ter políticos proprietários de emissoras causa dano, porque eles podem usar esses veículos em seu favor, violando quesitos da democracia e da pluralidade”, opina Renata Mielli, secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, entidades coautoras da ação.
De acordo com Pedro Ekman, do Intervozes, que também assina a representação, o número de parlamentares com ligações com emissores é bem maior, mas as entidades decidiram investir contra aqueles que possuem outorgas diretamente em seu nome. “Porque esses são incontestáveis”, explicou.
Segundo ele, qualquer político com mandato deveria ser impedido de ter meios de comunicação, porque é “incompatível com sua função”, mas, como a legislação se refere expressamente aos congressistas, a ação focou-se nesses.
“A confusão da agenda política com a agenda dos meios de comunicação é muito ruim para a democracia. Qualquer pessoa consegue entender que não é razoável que um senador controle uma rádio, não é uma mistura saudável. Então, a partir daí, podemos avançar no debate sobre democratização da mídia. Inclusive porque trata-se de algo concreto. Esse passo pequeno, que é cumprir a lei, é um grande passo no debate mais amplo da comunicação”, defendeu Ekman.
A deputada federal Luciana Santos (PCdoB) – que integra a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular – avaliou que a iniciativa das entidades é justa e correta.
“A democratização dos meios de comunicação é estratégica porque fala de um direito básico, que é o direito à informação livre, o direito a que os meios de comunicação reflitam o pensamento diversificado d a população brasileira. Não é possível que, além do monopólio dos meios de comunicação, a gente tenha uma completa ausência por parte do poder público em garantir que as práticas em relação às concessões sejam ao espelho da lei. Ao menos isso”, disse a parlamentar.
Segundo ela, o fato de existirem deputados e senadores donos de emissoras, além de ferir a lei, contraria a definição de rádio e televisão como um espaço de comunicação que deve ser plural, democrático e de caráter público. “Vamos somar esforços para que a prática das concessões que não estejam dentro da lei seja coibida”, declarou.
Exemplo de São Paulo
Na última quinta (19), o MPF de São Paulo já havia protocolado ação contra veículos de radiodifusão associados aos deputados federais Antônio Bulhões (PRB); Beto Mansur (PRB) e Baleia Rossi (PMDB), um indicativo de que concorda com o entendimento de que políticos não podem ser concessionários de rádio e TV. As entidades esperam agora que, em outros estados, o posicionamento seja semelhante.
A representação é uma articulação das organizações da sociedade civil que compõem o Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), que reúne procuradores federais, entidades da sociedade civil e institutos de pesquisa. Além do FNDC, Intervozes e Barão de Itararé, assinam a ação Artigo 19, Andi, INESC, Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, IDEC, Levante Popular da Juventude, MST, MTST e Proteste.