Contra aprovação da PEC 215, índios podem parar jogos em Palmas
A aprovação em comissão especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere a decisão final sobre demarcação de terras indígenas do Ministério da Justiça para o Congresso Nacional, não passou batido na vila dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI), em Palmas (TO). Em protesto contra a aprovação, encarada como uma ameaça aos direitos indígenas, algumas tribos pretendem paralisar competições na tarde desta quarta (28) na Arena Verde.
Publicado 28/10/2015 13:46
"Hoje a gente tá se articulando, algumas tribos, para fechar os jogos hoje para não ter nenhuma modalidade, para a gente se fortalecer e mandar uma carta daqui para Brasília. Não podemos celebrar uma festividade sabendo que nossas cabeças estão em jogo”, disse o líder indígena Ubiranan Pataxó. A PEC foi aprovada na comissão especial, da Câmara dos Deputados, criada para analisar o tema.
Um dos mais contrariados com a decisão é o cacique Ubiranan Tupi Guarani. “Tenho certeza que não vai passar nas outras instâncias, mas se passar vai dizimar todo o nosso povo indígena. Estou muito triste”. O cacique disse que os indígenas vão pressionar “de uma forma justa e honesta” os parlamentares para barrar a aprovação dessa PEC em plenário, mas não descarta uma postura mais incisiva. “Se eles não ouvirem, vamos partir para guerra mesmo, aí não terá mais jeito. Os guerreiros estão preparados”.
Paulinho Paiakan, proeminente líder indígena no final dos anos 1980 e começo dos 1990, questionou a ausência dos índios nas decisões que os afetam diretamente. “Como é que você joga sozinho e dizer que ganhou? Deveriam abrir um espaço para o índio [na comissão] se manifestar antes de aprovar isso. Muita covardia fazer isso sem a nossa presença, sem o índio, que é interessado nesse assunto”.
Enquanto vários índios preparavam seus artesanatos para vender em mais um dia dos jogos, o cacique Emanuel Mamaindê, com semblante fechado, externava a preocupação com a decisão de ontem no Congresso Nacional. “A gente respeita muito vocês, mas vocês não estão respeitando a gente. A gente sente dor porque vai destruir a nossa mata. Nós votamos nos políticos, eles ganharam pelo nosso voto também. Por isso reclamamos, isso está errado”.
Na manhã da votação da PEC, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), alertou os deputados sobre o risco de acirramento do clima de violência em regiões que enfrentam conflito fundiário e pediu o adiamento da votação. Diversos trechos de rodovias no País registram bloqueios próximos às reservas indígenas.
PEC 215
A PEC 215 é uma proposta elaborada na Câmara que propõe alterar a Constituição para transferir ao Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação no Brasil.
Atualmente, somente o Poder Executivo, munido de seus órgãos técnicos, pode decidir sobre essas demarcações. Além disso, o substitutivo de Osmar Serraglio (PMDB-PR), aprovado nesta terça-feira 27, também proíbe as ampliações de terras indígenas já demarcadas.
Aprovada na comissão especial destinada a analisar o tema, a PEC segue agora para votação nos plenários da Câmara e do Senado, com dois turnos em cada Casa. Para passar a valer, a proposta precisa ser aprovada por dois terços dos deputados e senadores.
Os críticos da proposta avaliam ainda que a PEC só beneficia os ruralistas, principalmente por conta de dois dispositivos previstos no texto. O primeiro é o que passa a prever indenização dos proprietários de terras nas áreas demarcadas em todos os casos. Atualmente, há apenas a indenização das benfeitorias realizadas a partir da ocupação de boa fé do terreno, mas o pagamento pela terra não está previsto em lei.
O segundo ponto é o que fixa o dia 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada, como "marco temporal" para definir o que são as terras permanentemente ocupadas por indígenas e quilombolas. Isso significa que os índios não terão direito à terra se não a ocupavam em 1988. Dessa forma, a PEC 215 não leva em conta grupos indígenas que foram expulsos de suas terras tradicionais e que, devido a conflitos fundiários ou por ações da ditadura, não conseguiram voltar a ocupar estas áreas.