Aprovado por todos, programas sociais argentinos chegaram para ficar
Para além da incerteza sobre o rumo econômico que a Argentina tomará após as eleições presidenciais de 25 de outubro, os principais planos sociais, que contribuíram para reduzir os níveis de pobreza na última década, chegaram para ficar.
Publicado 15/10/2015 13:34
Não há fontes oficiais unificadas sobre a quantidade de beneficiários, e em alguns casos a informação cruza por diversos ministérios, ou indivíduos ou famílias, incluídos em mais de um plano social.
Mas, segundo o Observatório da Dívida Social Argentina (ODSA), da Universidade Católica Argentina, 28% das famílias urbanas (2,7 milhões) recebem alguma transferência monetária desse tipo, em um país com uma população que este ano chegou a 43 milhões de pessoas, segundo projeções oficiais.
O plano de maior alcance é o de Ajuda Universal por Filho (AUH), com 3,6 milhões de famílias beneficiárias, que concede, aos chefes e às chefes de família desempregados ou trabalhadores informais, uma quantia para cada filho menor, sob requisitos como frequência escolar e controles médicos.
“As políticas sociais implantadas desde 2003 sem dúvida contribuíram de maneira importante para a redução da pobreza e da indigência”, destacou Gala Días Langou, do Centro de Implantação de Políticas Públicas para a Igualdade e o Crescimento. Em particular, disse à IPS, “desde 2009, com a AUH se conseguiu garantir uma renda básica para muitas famílias com crianças em situação de vulnerabilidade”.
Outros planos, entre eles o Progredir, beneficiam cerca de 557 mil jovens entre 18 e 24 anos para que estudem, com o requisito de terem emprego formal ou informal, recebam salário inferior ao mínimo de US$ 600 mensais e que suas famílias estejam nas mesmas condições.
Por outro lado, as mulheres grávidas desempregadas, trabalhadoras informais, do serviço doméstico, com renda igual ou inferior ao salário mínimo ou que estejam inscritas em outros planos sociais, têm direito ao beneficio monetário do programa Ajuda por Gravidez. Neste plano, com 68.580 beneficiárias – segundo os últimos dados disponíveis, de 2011 –, o requisito é fazer os exames pré-natal.
Programas como estes e as pensões contributivas “reduzem a profundidade da indigência ou evitam que famílias de escassos recursos caiam na pobreza extrema, sobretudo em um contexto como o atual, recessivo, inflacionário e de poucas possibilidades de acesso a um emprego de qualidade para os setores de baixa qualificação”, pontuou à IPS o coordenador do ODSA, Agustín Salvia.
“Ao mesmo tempo, essas transferências têm efeitos positivos ao sustentarem, por meio do consumo dos setores beneficiados, atividades informais que empregam muita gente”, acrescentou Salvia. Mas, embora tenham favorecido a retenção escolar, não melhoraram a proporção dos que completam os estudos obrigatórios, por outros fatores “que impedem que a escola sirva realmente para dar uma saída técnico-profissional aos adolescentes pobres”.
Por seu baixo valor, já que a ajuda máxima equivale a cerca de US$ 92, embora tenham reduzido o risco alimentar, Salvia considerou que não contribuíram para tirar da pobreza, embora não “necessariamente” a reproduzam, como apontam outros. “Trata-se de um subsidio ao desemprego ou ao subemprego informal. Enquanto não há uma demanda por mão de obra para bons empregos, não tem sentido eliminá-los”, observou.
Entretanto, para Salvia, “é possível transformá-los e melhorá-los, para que facilitem e promovam uma ponte com a formação, ou com trabalhos sociais ou econômicos comunitários, a fim de promover uma cultura do trabalho e uma ação cooperativa”. O último informe do ODSA aponta que a pobreza afeta 30% da população, mas destaca que, sem esses programas, a indigência na Argentina quase duplicaria, até afetar quatro milhões de pessoas, e também haveria 3% a mais de pobres.
“Resta um grande desafio pela frente”, destacou Díaz Langou. “Apesar de a pobreza ter diminuído nos últimos anos, sua infantilização se aprofundou e isto se verifica independente da fonte utilizada para sua medição”, acrescentou, ao considerar necessário estender a cobertura de planos como a AUH.
“A principal forma de deixar a pobreza é com emprego, educação e capacitação”, assegurou à IPS o economista Marcos Hilding, da Fundação Liberdade e Progresso, vinculada à oposição política.
Existem 60 programas sociais, segundo a contabilidade de Hilding, que considera que deveriam ser reduzidos para quatro ou cinco, limitados a um tempo determinado, controlados mediante uma base única de beneficiários, e com melhoras em seus requisitos e incentivos para “conseguir emprego regularizado”. Um estudo de sua fundação mostra, com base em dados do orçamento, que este ano serão feitas 18,2 milhões de transferências sociais, com custo de 157,209 bilhões de pesos (US$ 16,730 bilhões).
Em plena campanha eleitoral para escolher o sucessor da presidente Cristina Fernández, cujo mandato termina em 10 de dezembro, crescem as apostas de que o próximo governo deverá estabelecer planos de ajuste e abrir o restrito mercado cambiário. Mas ninguém duvida que os programas sociais serão mantidos, ainda que com mudanças.
O primeiro candidato em intenção de voto, segundo as pesquisas, Daniel Scioli, da governante Frente para a Vitória, ressaltou que trabalhará para substituí-los cada vez mais “por emprego genuíno”. Seu principal adversário, Mauricio Macri, do opositor Pro, assegurou que são “direitos sociais conquistados”. O terceiro nas pesquisas, Sergio Massa, da Frente Renovadora, anunciou que manterá o benefício para os que têm “emprego regularizado” e o retirará de quem não trabalhar ou se capacitar.
“Os três candidatos com maiores probabilidades de chegar à Presidência manifestaram sua intenção de manter a AUH. Isso reflete o amplo consenso que há sobre a necessidade dessa transferência”, ressaltou Langou. Esta especialista admitiu que “é claro o ganho que pode haver por trás” desse consenso. E, a seu ver, também evidencia “a relevância que tem a AUH para as famílias mais vulneráveis e o impacto que teria sua retirada”.
“Além do que dizem os candidatos para não ficarem marcados pela rejeição dos beneficiários desses programas, de um ponto de vista de política socioeconômica é impossível tirá-los no curto e médio prazos sem um alto custo social e político”, apontou Salvia. “O mercado de trabalho não está em condição de receber esses componentes e a problemática social se complicaria de maneira grave sem essas transferências. Deverão ser mantidos por muito tempo, inclusive para as pessoas que conseguirem um trabalho estável”, acrescentou.
Para Hilding, “a AUH chegou para ficar, podendo ser adaptada e melhorada, mas seria muito difícil acabar com ela. O êxito seria que cada vez menos gente necessitasse dela, diminuindo os beneficiários”. E acrescentou que “o ano que vem será complicado no aspecto fiscal, e com uma provável desvalorização, por isso é preciso ver se serão atualizados pela inflação, ou não”.
Fonte: Envolverde/IPS