Pela Palestina livre da ocupação, a bandeira da mudança
Os meios de comunicação hegemônicos parecem preparar-se para uma reviravolta na Palestina. Notam o 15º aniversário do levante popular de 2000 contra a ocupação israelense, o ousado discurso do presidente Mahmoud Abbas na Assembleia Geral da ONU e o hasteamento da bandeira palestina diante da sua sede. É patente a insatisfação do povo palestino com o estado das coisas e a transformação que se constrói coloca Israel contra a parede.
Por Moara Crivelente*, para o Portal Vermelho
Publicado 02/10/2015 12:34
Desde 2000, quando eclodiu a Segunda Intifada, o grande levante da resistência palestina contra a ocupação brutalmente reprimido por Israel, ao menos 1.996 crianças palestinas foram mortas por forças e colonos israelenses, estima a organização Defesa Internacional das Crianças – Palestina. Suas vidas foram tolhidas não apenas em grandes operações militares – três nos últimos cinco anos – como também no cotidiano de um regime opressivo de frequentes confrontos fatais entre ocupantes e ocupados.
No contexto de uma prolongada escalada da violência nos territórios do Estado ocupado da Palestina, dois eventos foram noticiados com grande destaque nesta semana. Um deles, o hasteamento da bandeira palestina diante da sede da ONU em Nova York (assista aqui), simbolizou a esperança depositada pelo povo palestino nesta organização desde a sua concepção, há 70 anos.
Infelizmente, remete também ao ceticismo que brotou no peito de grande parte da população palestina com o papel da chamada “comunidade internacional” diante do enraizamento da ocupação israelense, que acha terreno fértil na impunidade com que seus líderes criam uma realidade pretensamente irreversível. Mas, diante desta tendência, a reação popular tem se fortalecido, e os palestinos reconhecem o papel dos movimentos sociais solidários à sua causa em todo o mundo, assim como o crescente posicionamento de diversos países.
Na abertura da 70ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em 28 de setembro, entretanto, o presidente Abbas notou que – à exceção da presidenta Dilma Rousseff – praticamente nenhum líder mencionou a questão palestina. Completando um aniversário de reflexões fundamentais para a reversão da tendência de deslegitimação de uma organização aparelhada pelas grandes potências imperialistas, a ONU necessariamente discutiria um dos reflexos das suas limitações mais latentes durante todas essas décadas: a persistência da ocupação israelense da Palestina.
Mais de 20 anos após a assinatura do primeiro entre os Acordos de Olso, uma Declaração de Princípios para um processo de paz pretensamente datado, Abbas voltou a denunciar a expansão desenfreada das colônias israelenses – reconhecidamente ilegais – sobre territórios palestinos, a atuação truculenta e provocativa das forças israelenses em Jerusalém e no restante da Cisjordânia, a repetição das grandes ofensivas militares contra a Faixa de Gaza; a violação do direito dos refugiados ao retorno – são quase cinco milhões espalhados pelo mundo; a impunidade da liderança israelense e o atropelo dos acordos pela Potência Ocupante, Israel. O presidente disse:
Por um genuíno processo de paz
Na Palestina, o ceticismo contra as negociações com Israel é expressivo. Para trabalhadores urbanos e agricultores, estudantes, jovens, mulheres, crianças, parlamentares, defensores dos direitos humanos, jornalistas, ministros, enfim, a ocupação enraizada é o único resultado palpável do processo de paz, cuja mediação é praticamente monopolizada pelo maior aliado de Israel, os Estados Unidos. Daí a ênfase de vários líderes palestinos, inclusive Abbas, na necessidade de uma atuação multilateral para garantir o avanço do processo, incluindo diferentes atores na mediação, mais genuinamente preocupados com as violações estruturais dos direitos políticos, sociais, econômicos e culturais dos palestinos.
Em artigo para o diário The Huffington Post, às vésperas do seu discurso na Assembleia Geral da ONU, o presidente Abbas já dera o tom que alvoroçou as agências de notícias – e grande parte dos títulos das matérias derivadas praticamente coincidia. Para os meios hegemônicos de comunicação, o que o presidente palestino, conhecido pela dedicação à diplomacia, havia feito, foi, em palavras pouco variantes, “rasgar os Acordos de Oslo” – termo escolhido por um diário direcionado aos judeus norte-americanos, The Forward.
A crescente violência nos territórios ocupados por Israel é frequentemente noticiada em fragmentos, sem grande correlação com o cenário mais abrangente, o do aprofundamento impune da ocupação israelense. Entre os vários crimes de guerra perpetrados neste regime está a própria transferência de população para habitar as colônias.
Os Acordos de Oslo, que dividiram a Palestina em zonas de controle, destinando a maior parte delas ao controle pretensamente momentâneo de Israel, dão novo impulso ao projeto. O que era para ser um “processo” estancou-se na oportunidade de expansão da ocupação, colocando os palestinos em disputa devido ao papel destinado à Autoridade Nacional Palestina (ANP) pressionada pelos “doadores internacionais” a cooperar com o regime israelense. Recentemente, aliás, relatórios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional cumpriram o paroxismo de suas funções ao recomendar à ANP ajustes fiscais à moda daqueles impostos aos países em crise, com cortes a benefícios sociais e ao funcionalismo público – num lugar em que estes fatores são, já insuficientes, parte da sobrevivência na economia ocupada.
Farto desta condição, o discurso de Abbas na ONU, centrado na insustentabilidade da situação e na exigência por um Estado soberano, não deveria ter surpreendido. Os minimamente atentos enxergam há décadas o padrão que se repete à partir da institucionalização da ocupação israelense, abertamente pensada como estratégia pelos sionistas mais fervorosos e pela extrema-direita já confortável nas cadeiras de poder. Seu objetivo é eliminar de uma vez por todas a possibilidade de estabelecimento efetivo do Estado da Palestina.
O hasteamento da bandeira palestina na ONU – três anos após o reconhecimento do Estado como observador da organização por cerca de 140 países – e a solidariedade dos movimentos sociais em todo o mundo são potentes barreiras de resistência cada vez mais incontornáveis pela ocupação. A investida pela responsabilização da liderança israelense, sobretudo com a adesão palestina ao Tribunal Penal Internacional, deve fomentar o impulso decisivo, apoiado por cada vez mais atores internacionais, contra a impunidade como instrumento fundamental na manutenção da situação, pelo avanço definitivo de um verdadeiro processo de paz.