Em nome de Fidel, vos apresento: Baliños, Julio Mella e Cienfuegos
O curso de didática organizado pelo CES (Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho) em parceria com a CTC (Central dos Trabalhadores de Cuba), na Escola Superior Ñico Lopes/Havana, foi um momento de descoberta, de aprofundamento, de reconhecimento e de afinidades no que se refere à síntese didática e história das teorias e influências da pedagogia participativa de José Martí e a Pedagogia Histórico Crítica de Dermeval Saviani.
Por Jocelim de Lima Bezerra
Publicado 30/09/2015 15:10
Ambas as teorias da educação, uma desenvolvida em Cuba e a outra no Brasil, possibilitaram aos estudantes e dirigentes sindicais brasileiros ali presentes um encontro com a experiência cubana e a real filosofia do Materialismo Histórico Dialético que, de certa forma, sustenta os dois modelos pedagógicos. Com tal curso, foi dada a oportunidade a esses dirigentes sindicais e educadores de observar – de perto – os resultados da pedagogia que se construiu durante décadas na pátria de homens livres do capitalismo, na Cuba socialista. É sobre essa experiência que exponho a seguir.
Muito me chamou a atenção o lugar que ocupa naquela realidade a educação do povo cubano, com a sua simplicidade, manifestada também na forma de lidar com as pessoas… Percebe-se, sensivelmente, o carinho dos cubanos para com os brasileiros, a valorização do nosso futebol e da novela, do samba com o qual tanto se identificam… Entre outros grandes cantores, mesmo nesses momentos de músicas com apetrechos virtuais, destaque-se Roberto Carlos, que é carinhosamente lembrado pelo povo que constrói o socialismo no Caribe.
Até o primeiro dia em Cuba eu só conhecia a história deste país por relatos sobre José Martí e Fidel Castro; até então, o pouco que sabia era de apenas ouvir falar de alguns outros personagens como Guevara, Raúl Castro, Vilma Spin e artistas na música e cinema. Porém, desconhecia importantes personagens de sua história antes de Fidel e contemporâneos de José Martí. Para mim, o encantamento da história de Cuba fez com que me reencontrasse ao descobrir outros importantes líderes no processo revolucionário cubano: Carlos Baliños, Julio Antonio Mella e Camilo Cienfuegos.
Estes personagens desempenharam fundamental papel histórico ao fazerem a transição de resistência e sonhos de uma geração que culminou na revolução comandada pelos irmãos Castro e Che Guevara.
Sabemos que a pedagogia participativa cubana se desenvolveu não sem limites e com uma forma peculiar de sobreviver aos desafios e à dureza do processo revolucionário, incluindo os tempos funestos sofridos pelo povo cubano, que enfrentou corajosamente o bloqueio econômico e o isolamento dos países capitalistas, estes impostos – sobretudo – pelos EUA.
A novidade da pedagogia cubana perdura, pois, na sua experiência revolucionária e firmeza ideológica, no jeito irreverente de ser dos cubanos, na capacidade de encontrar alegria nas dificuldades, a ponto de se tornar, hoje, uma grande fábrica de cultura (sem chaminés!), alimentada com os valores próprios vinculados ao presente, assim como na sua memória e na projeção do futuro socialista.
As mais variadas vertentes de sua cultura se expressam de forma vigorosa também na política, na música, no cinema e nas artes plásticas, em especial, nos grafites periféricos que se encontram em Havana. A história de Cuba, com seus personagens e suas fases políticas, com seus ciclos de perdas e conquistas, foi o que mais me chamou a atenção. Fundamentalmente, centrei-me nas figuras de Baliños, Mella e Cienfuegos entre os ensinamentos dos professores sobre o papel destes, mas também, nas conversas com populares nas ruas e locais extras de nossa estadia em Cuba. A história é construída por homens e mulheres. Estar atento a esse fator “personagem” de um percurso histórico, me facilitou a compreensão do que é fundamental para a transformação dos acontecimentos passados e sua influência na disputa de poder no presente. Assim não foi diferente com esses personagens que aqui os apresento.
Em primeiro lugar, quero apresentar a Carlos Benigno Baliños. Temos nesse personagem cubano um militante incansável que teve a missão de transgredir poderes em tempos difíceis para a classe popular e transcendeu gerações na história de José Martí a Julio Mella. Homem de fundamentação marxista e ativista da luta do proletariado e do povo cubano, nasceu em 13 de fevereiro de1848, no pleno ano da Comuna de París, em Guanay – antigo município de Pina Del Rio, em Cuba. Foi arquiteto e, em 1868, ingressou na academia de pintura San Alejandro. Foi também operário da fábrica de charutos. Escreveu poesias e chegou a contribuir com vários periódicos políticos e culturais, quando ainda atuava com outros dirigentes dos Grêmios Operários em Cuba. Como parceiro de José Martí, ajudou a fundar o partido revolucionário. Escreveu o primeiro artigo sobre a revolução de 1905 na Rússia pelo jornal do Partido Operário Socialista que, depois, transformou-se no Partido Socialista Cubano. Em 1922 conhece o jovem Julio Mella, com quem funda, em 1925, o Partido Comunista Cubano. Faleceu em 1926 por morte natural e foi enterrado como indigente por ser comunista. Assim como ele, comunistas eram perseguidos no período da ditadura de Fulgencio Batista. Somente após a revolução nos anos 60 é que Baliños foi reconhecido como herói cubano. Sua historiografia o destaca, muito além de ser um mero ator político, como um revolucionário digno de ser comparado a José Martí e Fidel.
Como segundo grande personagem da história cubana, destaco a Júlio Mella, que nasceu em Havana-Cuba em 25 de Março de 1903. Aos 14 anos serve o exército de New Orleans e volta a Cuba; estuda Direito e Filosofia na Universidade de Havana, onde se torna líder estudantil e atleta. Fundou a Revista Alma Mater em 1922. Conhecedor das idéias marxistas, fundou a federação estudantil universitária e ajudou a criar a Universidade Popular José Martí. Com Carlos Baliños funda, em 1925, o Partido Comunista Cubano. Por essa razão, é expulso da Universidade de Havana e exilado ao México. Nesse período, porém, seus contatos com organizações trotskistas não o fazem um defensor de Trotski; pelo contrário: se tornará um crítico dele. Sua morte, no México, foi muito misteriosa, sendo narrada com fatos e versões contraditórias. Depois de muitos anos é que suas cinzas foram devolvidas à sua terra (Havana).
Camilo Cienfuegos Gorriarán: conhecido popularmente como “O senhor da vanguarda”, nasceu, em 06 de Fevereiro de 1932, na comunidade de Víbora/Havana. Ingressou no anexo da Escola de Arte de San Alejandro em Outubro de 1949. Seu primeiro trabalho foi como trabalhador de limpeza em uma loja onde também ajudava o seu pai, que era alfaiate. Em 5 de Abril de 1953 foi morar nos EUA, onde foi camareiro, pintor e alfaiate. Com os imigrantes caribenhos, participou de várias manifestações e escreveu ao jornal periódico La voz de Cuba artigos críticos sobre Cuba e seu ditador Fulgencio Batista. Em 1955 é preso em San Francisco e deportado ao México. Ali teve contato com outros cubanos resistentes e soube da luta de Fidel em Cuba. Após seu julgamento, foi enviado de volta a Cuba, onde casou-se com Isabel Blandón e se envolveu ainda mais com os movimentos revolucionários, nos quais seu pai e irmão participavam e foram dirigentes. Após um ato em homenagem a José Martí é ferido, preso, fichado e, novamente, remetido aos EUA. De lá, entra no Movimento 26 de Julho comandado por Fidel Castro e, em 1956, desde o México, integra a expedição do Granma, iate que levou o grupo de Fidel a Cuba. Chegando a Sierra Maestra em 02 de dezembro de 1956, incorpora-se à coluna do Comandante Che Guevara como chefe de Vanguarda (daí, seu pseudônimo). Entre tantos combates, o mais destacado dessa história foi a tomada do trem blindado onde a coluna de Camilo – junto com o comando de Che – não precisou dar sequer um tiro. Registra-se que esse trem levava um acervo de armas bélicas e, tal emboscada, teria feito o comando de Fulgencio desistir do combate. A vida de Camilo foi curta. O avião em que estava, em um dos combates durante a ação dos rebeldes, desapareceu e até hoje não se encontrou os restos mortais de Camilo e dos outros que vinham de uma missão dada por Fidel.
Dos heróis cubanos acima citados, os dois primeiros inspiraram a jovens como Fidel e seus seguidores revolucionários; o terceiro, destacado revolucionário e comandante ao lado de Fidel e Che Guevara. Foi nos exemplos aguerridos de Martí, Baliños e Mella que se fortaleceram as convicções daqueles que transformaram Cuba nos sonhos que Raul, Spin e Camilo levaram à prática.
No curso vimos o destaque que estas figuras e outras da história do povo cubano receberam no processo de construção de seu projeto educacional. Esses heróis das lutas populares tornaram-se conteúdo do currículo escolar. Em todo o percurso educativo cubano, mostra-se a atualidade das idéias que defendem, sendo estas materializadas na prática histórica desses personagens. Do saber se constrói a nação, da biografia dos que sonharam um mundo livre, a Cuba socialista.
Fiz questão de ater-me a estas figuras devido sua importância nos conteúdos do curso. Nele, percebi a síntese do povo cubano, o qual não se entende sem tal “fortaleza ideológica”, como afirmou, veementemente, a reitora da Escola Superior Ñico Lopes Rosário Pentón Dias. E essa fortaleza não se construiu somente por sonhos, mas pelas biografias de pessoas determinadas como José Martí, Baliños, Mella, Camilo, Che, Raul, Fidel e tantos outros homens, assim como mulheres da estatura combativa de Vilma Spin e Célia Sánchez.
Aqui, pois, sistematizo, de forma breve, o perfil desses personagens que Cuba didaticamente reverencia e, pelos quais, continua resistindo. Uma pátria livre era o rumo, a igualdade social a meta e a participação do povo o método. Assim, o socialismo tornou-se o conteúdo dos sonhos para o rumo de um povo lutador e livre, levando consigo os valores do respeito, da equidade e da responsabilidade para com o futuro. O repartir o que se tem e o entender os limites em beneficio do coletivo, são elementos que nos fizeram refletir de forma panorâmica o que é a didática cubana. O processo do saber – e do saber fazer – tem seus altos e baixos, suas idas e vindas… Cada etapa dessa construção tem sua característica própria e a história do povo cubano não foge à regra.
A Revolução Cubana não só representa o sentimento de uma geração no mundo, mas também os sonhos de um novo mundo que nos provoque a pensar o cotidiano de outra forma. Não nos convencem as decepções românticas da esquerda sobre o país socialista. Esta merece entender melhor os traços e as tomadas de posições táticas na conjuntura política da história de Cuba. Esta nos dá um exemplo de firmeza, perseverança e praticidade de um estado a serviço do bem comum – como condutor do processo da formação socialista – que coletiviza as condições de viver em uma Ilha que respira e inspira os sonhos de revolucionários no mundo.
*Jocelin de Lima Bezerra é Professor da rede Municipal de Parnamirim, Rio Grande do Note e autor do Livro Anomia do Professor