Câmara sugere mudanças na lei para combater xenofobia no Brasil
Dados do Ministério da Justiça apontam que a solicitação de visto de permanência no Brasil dobrou em quatro anos, chegando a 30 mil pedidos anuais – contra 15 mil em 2010. Do Haiti, chegaram ao Brasil mais de sete mil pessoas. Os números foram apresentados na audiência pública realizada, nesta quarta-feira (23), na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que discutiu recentes casos de ataques xenófobos no Brasil, em especial contra os imigrantes haitianos.
Publicado 24/09/2015 12:19
Na audiência, solicitada pelos deputados Ivan Valente (PSOL-SP) e Jean Wyllys (Psol-RJ), foi defendida a mudança da legislação sobre estrangeiros no País. Nesta quarta-feira , foi instalada, na Câmara, a comissão especial que analisará o projeto de lei que institui a Lei de Migração.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que foi designado relator da comissão, lembra que o projeto de lei que institui a Lei de Migração tomará lugar do Estatuto dos Estrangeiros adotado durante a ditadura militar. A proposta, aprovada pelo Senado, regula entrada de estrangeiros no País e estabelece normas de proteção ao emigrante brasileiro.
De acordo com a presidenta da Comissão de Relações Exteriores, deputado Jô Moraes (PCdoB-MG), a legislação em vigor tem a marca do regime militar e precisa ser modernizada. “A lei do Brasil é do começo dos anos 80. O Estatuto do Estrangeiro é muito pautado pela segurança nacional, pelo protecionismo ao mercado de trabalho. Tem limites na assimilação dos refugiados e é muito burocrática. Nós queremos que a nova lei cuide de inspirar-se nos direitos humanos, na liberdade, na solidariedade, na integração entre os povos, na cultura de paz”, explica.
A proposta de uma nova Lei de Migração foi aprovada em julho pelo Senado e traz mecanismos que desburocratizam, por exemplo, a regularização dos imigrantes. “A primeira medida é agilizar a porta de entrada. Criar um sistema integrado entre os diferentes ministérios para que o imigrante, chegando, tenha a possibilidade de trabalho e o aperfeiçoamento de serviços, como o auxilio ao idioma, de lugares onde possa morar e de apoio à família”, sugere a deputada.
O projeto estende a possibilidade de concessão de visto humanitário ao cidadão de qualquer nacionalidade. O governo brasileiro concedeu esse benefício aos haitianos, por meio de uma resolução, em 2012, depois do terremoto que arrasou o País.
Para isso, foi preciso que o governo brasileiro criasse uma categoria especial para receber os haitianos, já que eles não se enquadravam nas possibilidades de concessões de refúgio — por não serem vítimas de perseguições políticas ou oriundas de nações em guerra civil.
Comissão especial
A comissão especial deve apresentar um plano de trabalho para ser votado pelos parlamentares na próxima reunião, marcada para quarta-feira (30). O relator, que deve apresentar o parecer para votação do colegiado em 10 sessões legislativas, que começam a ser contatadas a partir de quinta-feira (24), disse que pretende realizar audiências públicas, visitas a instituições que dão apoio a refugiados no Brasil, reuniões com embaixadores e representantes do Executivo para aprimorar o projeto oriundo do Senado.
“Nós temos que ter uma lei que permita combater qualquer tipo de xenofobia, intolerância, preconceito, para que o Brasil afirme, na prática, essa identidade que está no imaginário social do mundo do Brasil como um país acolhedor. Sabemos que existem tensões, mas temos que criar mecanismos legais que inibam atitudes pouco hospitaleiras”, afirmou Orlando Silva.
Apoia às mudanças
A pastora Romi Márcia Bencke, representante do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs no Brasil, defendeu a mudança legal. “O Estatuto do Estrangeiro ainda trata o imigrante como uma ameaça terrorista”, disse.
A atualização da legislação também foi defendida por Eliza Odina Conceição Silva Donda, representante do Projeto Missão Paz – São Paulo. “Essa lei de imigração quebra o paradigma e sai da questão da segurança nacional para a questão dos direitos humanos. O imigrante passa a ser visto como ser humano. Nós temos a imagem de um país fraterno e neutro, mas internamente temos uma legislação que repele o estrangeiro”, disse.
Novos critérios
De acordo com o projeto da Lei de Migração, o benefício agora "poderá ser concedido ao natural de qualquer país em situação reconhecida de instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidades de grandes proporções e de graves violações dos direitos humanos".
O projeto facilita a acolhida de estrangeiros, garantindo a concessão de visto temporário para quem buscar asilo no Brasil. E veta a concessão de asilo a quem tenha cometido crimes de genocídio, contra a humanidade ou de guerra. Acusados de terrorismo poderão ser extraditados.