Igreja Católica dos EUA tenta "aceitar" papa e voltar a crescer
Na primeira viagem aos Estados Unidos, o papa Francisco terá de lidar com uma igreja fundamentalmente conservadora, marcada pelo declínio de fiéis e pelos casos de pedofilia. A instituição, cujo credo é praticado por mais de 70 milhões de habitantes, procura estancar o processo de perda vivido na última década e a visita do papa pode indicar um novo caminho para isso.
Publicado 23/09/2015 17:57
Segundo pesquisas feitas pelo instituto Pew, a visão que os americanos têm do papa, mesmo entre aqueles não católicos, é bastante positiva. Mas o mesmo não se pode dizer da visão que a cúpula da igreja tem de Francisco. As posturas do papa em relação a questões como aborto, casamento homossexual, comunhão para divorciados e casamentos sem a oficialidade religiosa, irritaram arcebispos e cardeais americanos.
Anos de posturas conservadoras e a escolha de bispos e cardeais considerados reacionários resultaram para alguns analistas na perda de fiéis. A maioria daqueles que deixaram a religião, um número estimado em 30 milhões, diz que o catolicismo não trouxe a eles o alento espiritual que esperavam. Os mais progressistas estão entusiasmados, porque o papa pode ajudar a mudar essa realidade.
Segundo Dennis Doyle, teólogo da Universidade de Dayton e entrevistado pelo jornal El País, “embora seja verdade que há um retrocesso na Igreja nos Estados Unidos, não acredito que a viagem do papa atenda a uma preocupação com o número de católicos. Acredito que tenha mais a ver com a autenticidade da mensagem, renovando a fé”.
A realidade hoje, para a Igreja Católica, é que ela perdeu muito espaço para credos evangélicos e protestantes. Este ano, a arquidiocese de Nova York reduziu o número de paróquias de 122 para 55 e desativou 31 igrejas. A força que a Igreja obteve com a imigração para o país, que tem hoje cerca de 54 milhões de latinos, foi perdida nos últimos dez anos e uma das causas desse prejuízo foram as denúncias de pedofilia.
Ha 13 anos, mais de 500 estadunidenses levaram à Justiça denúncias de abusos sexuais cometidos por sacerdotes e membros da arquidiocese de Boston. O escândalo serviu para que novas denúncias fossem feitas tanto nos Estados Unidos quando no resto do mundo, inclusive no Brasil.
O problema foi tão grave na Irlanda que foi considerado pela Anistia Internacional como o maior crime contra os direitos humanos já registrado na história daquele país. O agravante é que a Igreja Católica tinha a prática de acobertar os denunciados e silenciar os casos. Os escândalos de pedofilia afastaram milhares de pessoas nos Estados Unidos do catolicismo.
Os casos que foram parar nos tribunais geraram indenizações altas, que tiveram de ser pagas por inúmeras dioceses, algo que só foi superado recentemente e que contribuiu para agravar a crise financeira. A proliferação de igrejas evangélicas acabou tomando dos católicos boa parte desses 30 milhões de ex-fiéis. Ao mesmo tempo, apenas 2% dos crentes fizeram o caminho contrário.
Em reunião na cidade de Baltimore – que recentemente foi palco de uma sublevação contra as práticas racistas de policiais – semanas depois do sínodo sobre casamento e família realizado em Roma, os bispos americanos revelaram inquietação com a mudança de ares promovida por Francisco. Ficou mais clara a divisão entre bispos progressistas e conservadores, sendo que muitos deles exigiram mais clareza das mensagens do argentino.
Eles se mostram desafiadores, como disse depois um dos cardeais, Raymond Burke, para quem a sensação agora é de que a Igreja é um "navio à deriva, sem comando". Essa opinião fez com que o Vaticano o destituísse do comando do seu tribunal
“Sem dúvida há mais tensão na Igreja e entre os bispos, mas no bom sentido da palavra. Antes todos estavam em um mesmo lugar, agora há um debate muito mais dinâmico sobre questões que para alguns são difíceis de aceitar. Possivelmente o pêndulo passou muitos anos num lado e agora se move para outra direção”, opina Doyle.
Em solo americano, o papa apresenta uma agenda considerada "de compreensão, caridade e lealdade", com preocupação expressa com os imigrantes. Era a clareza que os bispos reunidos em Baltimore pediam das mensagens transmitidas por Francisco.