Bercovici: Não querem menos Estado, mas Estado para favorecer rentismo
O economista tucano, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o governo Fernando Henrique, defendeu em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo um receituário de medidas que supostamente iriam tirar o Brasil da crise. A proposta é parte de um plano apresentado pelos tucanos durante seminário Caminhos para o Brasil, do Instituto Teotônio Vilela, também do PSDB, realizado dia 17 de setembro.
Por Dayane Santos
Publicado 21/09/2015 10:39
Entre as soluções mágicas para a economia estavam a mudança das regras trabalhistas e a revisão do capítulo econômico da Constituição. Segundo Armínio Fraga, o objetivo é “adotar a economia de mercado” reduzindo a “interferência do Estado”, isto é, menos Estado e mais mercado.
Os ingredientes apontados por Fraga não são novidade. É parte do receituário neoliberal dos tucanos – programa esse derrotado nas urnas em 2014 -, que propõe uma reforma constitucional que eles dizem ser “cirúrgica”.
“O capitalismo não existe sem o Estado. Então, essa história de que o Estado não vai intervir ou vai intervir menos é conversa mole. É que vai deixar de intervir em determinados sentidos e vai intervir em outros. Não é menos Estado, mas Estado com uma outra forma de atuar para beneficiar outros grupos”, enfatizou Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao Portal Vermelho.
“É uma visão absolutamente ideológica até porque, com o neoliberalismo o Estado intervém cada vez mais na economia, mas para preservar interesses de determinadas camadas, não de todos”, completou.
O professor Gilberto Bercovici enfatizou que esse discurso “contra o Estado, contra a Constituição, contra os direitos sociais, juridicamente, não tem sentido e economicamente também não”.
“O que estamos vendo no Brasil é uma tentativa de certos grupos de retroceder, de reafirmarem que todos os recursos devem ficar com eles e não dividir com mais ninguém. E tem, obviamente, toda a força do poder econômico, do poder político e da mídia a seu favor. Cabe ao outro lado parar de achar que todo mundo é republicano e saber enfrentar, caso contrário, será uma derrota histórica e os efeitos nós ainda não temos dimensão”, salientou.
Gilberto lembra que a partir dos anos 90, o discurso de Estado mínimo fez “como num passe de mágica” que o Estado passasse a ser “incompetente”.
“É engraçado, pois para garantir uma série de políticas e serviços, o Estado passou a ser incompetente para prestar diretamente os serviços. No entanto, não é incompetente para financiar”, disse ele ao citar a terceirização de serviços, concessões e privatizações.
“O Estado tem que pagar para alguém prestar o serviço, na concessão ou privatização. Depois tem que garantir o financiamento para assegurar o funcionamento do serviço. E, em alguns casos, tem que garantir a aquisição do serviço, da obra ou do produto. Quer dizer, se paga três vezes por uma coisa que se pagava apenas uma vez”, afirmou.
Constituição é democrática
Os tucanos afirmam que a Constituição brasileira é muito minuciosa e analítica, abrangendo uma quantidade de assuntos que não necessitavam de previsão constitucional. Para o professor, esse discurso vem desde o governo FHC “que dizia que a Constituição engessa a política e impede que governe”.
Segundo Bercovici, a contradição entre o que falam e o que fazem é muito grande. “Se repararmos nos textos das emendas Constitucionais que foram feitas durante o governo Fernando Henrique, elas são muitos mais minuciosas, muito mais detalhistas, muito mais inúteis do que o texto original da Constituição. Eles falam, mas fazem pior”, disse.
Bercovici aponta um fator histórico como motivo para a abrangência de temas da nossa Constituição. “Toda Constituição escrita por uma assembleia constituinte eleita por sufrágio universal, ou seja, democraticamente, vai falar de uma série de assuntos que as Constituições liberais não vão tratar. Geralmente quando as pessoas criticam o excesso de matérias ou detalhes na Constituição, criticam justamente os direitos sociais, o que prova que na verdade é uma crítica enviesada”, enfatizou.
O professor afirmou que o modelo de Constituição defendido pelos tucanos é o liberal que só garante a separação de poderes, a estrutura de governo e os direitos individuais.
Constituição dos EUA é oligárquica
Ele destaca ainda que os críticos da Constituição brasileira gostam de apontar a Constituição dos EUA como exemplo por ter apenas sete artigos.
“É mentira. Quem diz isso não leu a Constituição norte-americana. Ela tem só sete artigos, mas uma série de dispositivos, incisos, parágrafos, alíneas. É uma Constituição típica do século 17 e 18, oligárquica. Não tem nada de democrática e sobrevive porque a interpretação dela foi se modificando com o tempo”, explica. “Se fosse fazer uma Constituição hoje nos EUA ela teria tanto ou mais dispositivos que a nossa”, declarou.
E acrescenta: “Nossa Constituição não é um atraso, pelo contrário, ela está dentro da tradição de constitucionalismo social e democrático”.
Direitos trabalhistas não oneram
Bercovici também desmontou a tese neoliberal de que de que os direitos trabalhistas oneram demasiadamente o patronato e, por isso, devem ser flexibilizados.
“Primeiro, direitos trabalhistas são direitos fundamentais. O direito trabalhista é custo? O direito de ir e vir também é. O direito de propriedade é o mais custoso de todos, porque para mantê-lo precisamos de polícia e do Poder Judiciário”, pontuou o jurista.
O professor destaca que todo direito representa um custo para o Estado, mas salientou: “O direito trabalhista é um pacto mínimo para que as relações capitalistas se desenvolvam da maneira mais correta possível, criando um marco civilizatório mínimo”.
Ele frisou ainda que a elite gosta de reclamar dos encargos trabalhistas, contribuições e descontos, mas esquecem que todos os encargos que estão na folha salarial servem para financiar o capital no Brasil.
“O FGTS, o FAT, PIS/Pasep são a base do financiamento do capitalismo no Brasil. São administrados por bancos públicos, particularmente o BNDES, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. Quem financia os empreendimentos capitalistas no Brasil são esses bancos”, pontuou.
Ele destacou o papel do BNDES, que classificou como o mais importante banco de financiamento do país. “Dados do próprio banco mostram que das empresas com ações em bolsa, 99% têm financiamento do BNDES ou BNDES participações. Além disso, não tem uma multinacional neste país que não tenha financiamento do BNDES”, completou.