Europa deporta africanos e abriga refugiados em quantidade irrisória
Enquanto cerca de 30 mil refugiados se espalham somente pelas ilhas gregas, a Hungria anuncia a construção de uma segunda cerca, desta vez de 4 metros de altura, para conter a chegada de mais gente. Ao mesmo tempo, a União Europeia perde-se em contas de quem vai ficar com quantos migrantes. De 2011, início da Primavera Árabe, até 2014, mais de 600 mil foram para a Europa. Ao mesmo tempo, o Oriente Médio abriga mais de 3 milhões deles.
Por Humberto Alencar, com agências
Publicado 08/09/2015 20:11

Há mais de dois anos a Turquia abriga em seu território cerca de 2 milhões de refugiados sírios, sem que a mídia ocidental jamais tivesse feito grande alarde desse fenômeno. Países do Oriente Médio, como o Líbano e a Jordânia, já receberam em seu território mais de 1 milhão de sírios que fugiram do conflito entre o exército do país e grupos terroristas financiados por Estados Unidos – como o Estado Islâmico – e que recebem armas de países como Catar, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita para derrubar o governo de Bashar al-Assad.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), em 2015 pouco menos de 400 mil pessoas cruzaram a fronteira da União Europeia, enquanto 2,7 mil morreram na travessia do Mar Mediterrâneo.
Ao todo, chegaram às costas europeias 378.343 pessoas, das quais 256.458 à Grécia, 119.619 a Itália, 2.166 a Espanha e 100 a Malta. Das que chegaram à Grécia, 88.204 iniciaram a viagem na Síria, 32.414 no Afeganistão, 9.713 na Albânia, 9.445 no Paquistão e 5.421 no Iraque.
Dos refugiados que alcançaram as costas italianas, 25.657 eram da Eritreia, 11.899 da Nigéria, 7.538 da Somália, 5.658 do Sudão e 5.495 da Síria. De acordo com responsáveis pela agência da ONU de refugiados, a Acnur, os cortes dos programas de assistência efetuados principalmente na Turquia empurram milhares deles para a Europa.
"Pequenas quantidades"
“Estou convencida, porque é isso que me relatam, que muitos refugiados decidiram deixar atrás condições de miséria e de falta de perspectiva e arriscar a vida das suas famílias à procura de uma possibilidade de sobrevivência na Europa”, declarou Melissa Fleming, porta-voz da Acnur.
Cerca de 4 milhões de sírios estão refugiados em países do Oriente Médio, recebendo anualmente uma ajuda que chega perto de US$ 6 bilhões. Este ano, refugiados na própria Síria perderam o auxílio que tinham do Programa Mundial de Alimentos (PAM).
A Hungria tenta conter a onda de migrantes que passa pelo país rumo à Áustria e à Alemanha. Foi iniciada a construção de uma nova cerca de 175 quilômetros de extensão por 4 metros de altura na fronteira com a Sérvia. O país já gastou US$ 75 milhões nessa obra. Nenhum dólar foi gasto para a construção de infraestruturas humanitárias e deslocamento de mais funcionários para os postos de fronteira.
Um dos organismos de governo da União Europeia se reuniu no fim de semana para tentar dar "soluções" para a crise. A chanceler alemã, Angela Merkel, pressionou recentemente os outros líderes europeus para que dividissem com ela o "auxílio" aos refugiados.
A pressão fez com que a Comissão Europeia preparasse um "esquema" que redistribui os migrantes em uma pequena parte de países da comunidade. Alemanha, França e Espanha deverão receber apenas 59% dos 120 mil asilados que estão concentrados neste momento na Hungria, na Grécia e na Itália.
"Tem fome? volte para seu país"
Só que para que isso aconteça, o governo da União Europeia exigiu que as leis para os imigrantes sem asilo sejam endurecidas. A maioria daqueles que foi da África para a Europa porque não tinha o que comer em seu país de origem será deportada. A lei prevê aprisionar os que não se apresentarem para a deportação.
Os números ainda são discutidos pelos governantes europeus. O presidente francês, François Hollande, disse que estavam negociando cotas de 120 mil refugiados e que a França aceitaria somente 24 mil.
Hungria, a República Tcheca, a Eslováquia e a Romênia – o segundo mais pobre da Europa – rejeitam quaisquer cotas. Na Alemanha, onde Angela declara aos quatro ventos que vai acolher centenas de milhares, seu partido, a CSU, começou a vazar água. A liderança do partido na região da Bavária considera que as declarações do governo sobre a aceitação de tantos refugiados "passam uma mensagem errada". Angela, que não é boba, disse nesta terça que é hora do resto da União Europeia "fazer a sua parte".
Segundo o jornal britânico The Guardian, que divulgou uma das propostas não oficiais de distribuição das cotas, a Alemanha recebe 31 mil refugiados, a França 24 mil, a Espanha 14 mil, a Polônia 9,2 mil e a Holanda 7,2 mil.
A cota de Portugal seria de pouco mais de 3 mil refugiados. Mas já há listas na Internet com abaixo-assinados pedindo que não se recebam nenhum refugiado em terras portuguesas. Mais de 16 mil pessoas, dos 10,5 milhões de habitantes do país, assinaram os pedidos. Nestas listas, revela-se o temor dos europeus em relação aos migrantes.
Guerra na Síria
De acordo com o jornalista Tony Cartalucci, do Global Research, esse temor é infundado pela mídia Ocidental e tem uma razão simples: aumentar, assim, o apoio a uma ação bélica contra a Síria, pela derrubada de Bashar al-Assad e pela extinção do Estado Islâmico, o "bode" colocado na sala do Oriente Médio pelos Estados Unidos e seus satélites na região.
Segundo Tony, a Otan pretende, com a agressão, criar "portos seguros" no norte da Síria, para que o pacto militar possa controlar pequenas porções do território sírio, usando esses campos como cabeças de ponte para ajudar seus terroristas a derrubar o governo de Bashar al-Assad.
Os planos dos Estados Unidos incluem a agressão militar, armamentos, treinamento e financiamento de extremistas sectários. A Brookings, um dos think thank que trabalha junto ao governo americano e que é financiada por corporações interessadas no Oriente Médio, publicou um memorando que detalha "o futuro" da Síria. O documento chama-se Middle East Memo – Assessing Options for Regime Change).
Nesse documento detalha-se como o imperialismo deve fazer para obter o controle do país árabe. É preciso criar zonas de acesso humanitário, "portos seguros" e corredores humanitários e, para que isso não sirva contra o propósito de derrubar Al-Assad, haverá de existir uma ampla coalizão militar que vá além dos esforços de manter estas instalações. Em última instância, o objetivo era fazer da Síria um estado confederado, com o poder dividido por clãs. (Leia o original em inglês)
De quatro anos para cá, os Estados implicados na implosão do governo sírio têm tentado, sem sucesso, construir apoio popular a uma agressão militar. talvez agora, com a crescente xenofobia na Europa e a cada vez maior presença de migrantes nas fronteiras, o tal apoio aumente e surta o efeito desejado. Lendo os jornais dos principais países europeus, o leitor observa que "a culpa" da nova onde é atribuída à mudança de política do governo turco.
Um dos artigos do International New York Times, no grego Ekathimerini, demonstra como essa nova vaga migratória foi causada pela "mudança" da estratégia geopolítica da Turquia. Como "justificativa": o governo turco tem pela frente eleições em novembro, resolveu bombardear junto com os EUA posições do Estado Islâmico na Síria e os responsáveis pelos campos de refugiados começaram a promover o êxodo desses campos.
A presença desses refugiados na Europa serve para espalhar ainda mais os medos criados pela xenofobia, racismo e islamofobia. E, de acordo com Cartalucci, cada ataque realizado no continente, sem exceção, envolveu terroristas que eram vigiados pelas agências de espionagem ocidentais há até uma década, indivíduos que também já tinham participado de conflitos promovidos pela Otan na Síria e no Iraque.
"No caso do infame ataque ao Charlie Hebdo, é sabido que as agências de espionagem francesas seguiram os terroristas por meses, inclusive chegaram a prender um deles, embora brevemente. A vigilância durou até seis meses antes do ataque contra o periódico. Quando perguntadas do motivo de cessarem a vigilância, as agências disseram que era por 'falta de verbas' ", afirma.
Com o temor dos europeus elevado pela onda de refugiados, em um dado momento as políticas de agressão da Otan poderão ser aplicadas sem grande oposição, graças ao apoio popular. Esses dois milhões de sírios que agora estão sendo levados para o outro lado do estreito de Bósforo, depois de dois anos nos campos de refugiados financiados pela Otan, podem ser reconduzidos, no futuro e dentro dos planos do pacto militar, aos tais "portos seguros" e "corredores humanitários" na própria Síria, criados e mantidos pela Otan.
A recente declaração, em Londres, do ex-Arcebispo de Canterbury, Lord Carey, de que os terroristas dos Estado Islâmico devem ser bombardeados, coloca pressão sobre o governo de David Cameron e alimenta também o plano do imperialismo para a Síria.
Carey afirma com todas as letras que os britânicos devem intervir militarmente na Síria para criar "enclaves seguros" no país, onde civis devem ser "protegidos do ataque das partes em conflito na Síria".