Crimes em série: nunca se chega às raízes do problema

A vaga de refugiados na Europa é um dos temas salientes da atualidade, mas, salvo raras exceções, as suas causas profundas não são afloradas nas mídias. Os responsáveis da UE, ainda a digerir o recente memorandum colonial de subjugação da Grécia, dão mostras de cinismo e desatino com a agudização da crise de refugiados, avaliada como a maior vaga migratória na Europa desde a 2ª Guerra Mundial.

Por Luís Carapinha, no Jornal Avante

imigrantes

Anuncia-se a convocação de uma cimeira de emergência da UE para… meados de setembro. Uma reunião de ministros da Justiça e Interior, confirmando que as "respostas comunitárias" continuam a apontar essencialmente para a vertente securitária e soluções de força. Entretanto, a inefável chanceler Merkel sai a terreiro para exigir aos "parceiros europeus" uma "distribuição justa" das cotas de refugiados e lançar um compungido apelo em defesa de Schengen e das normas de livre-circulação (de mão-de-obra barata e capitais, entenda-se).

Fabius, o (socialista) titular do MNE francês e um dos grandes instigadores da guerra na Síria, afirma-se escandalizado com as cercas erguidas pelo governo (de direita) húngaro e canta o salmo dos "valores europeus". Claro está que, entre encenações grotescas de brio humanitário e lágrimas de crocodilo, nunca se chega às raízes do problema e o nome dos grandes responsáveis pela catástrofe social fica por nomear. Na narrativa dominante, as políticas do capitalismo de exploração econômica, desestabilização e guerra permanecem envoltas num manto de silêncio.

A tragédia do afluxo de imigrantes não tem deixado de aumentar nos últimos anos, proporcional ao regresso em força do neocolonialismo e disseminação da instabilidade e pobreza que ensombram o futuro de povos inteiros. O seu agravamento substancial é inseparável da espiral de guerras e ingerência do imperialismo na região nevrálgica que os estrategas da administração Bush II designaram de "Grande Médio Oriente", que se estende do Norte de África aos confins da Ásia Central. E quando se olha hoje o fenômeno do terrorismo do chamado Estado Islâmico (EI), percebe-se que o eixo deste grande arco de desestabilização não pára de alargar-se em direção à África subsariana e, também, ao Cáucaso e Sudeste Asiático, rumo às fronteiras da Rússia e China.

O drama dos refugiados e o presente êxodo migratório para o Velho Continente, que as intervenções dos EUA no Afeganistão e Iraque ajudaram a preparar, são pois uma consequência direta da campanha mais recente da Otan contra a Líbia (destruindo e fragmentando um país que até há pouco era um dos principais promotores da UA e da política de integração africana) e da guerra que desde 2011 fustiga a Síria, mercê do envolvimento e cumplicidade de uma "coligação" que junta os EUA, as potências da UE, as ditaduras do Golfo, Israel e a Turquia. Sem esquecer igualmente as sequelas da agressão e desintegração da Iugoslávia (e o estado miserável da população do Kosovo "independente") e o quadro de guerra civil na Ucrânia, resultante do golpe de estado de 2014.

Simultaneamente e como em política não há "espaços vazios", deve ser assinalado o perigoso aproveitamento da crise migratória por forças de natureza xenófoba e neofascista, que ganham peso e relevo na Europa. A via de saídas retrógradas, sem dúvida propiciada por condições e tendências de ordem objetiva que marcam o quadro de declínio da hegemonia do imperialismo, constituiu sempre um cavalo de guerra e instrumento de classe do grande capital em tempos de crise. Caos, terrorismo e fascismo são expressões conexas da crise estrutural do sistema dominante; da tentativa de fuga para frente das forças do grande capital transnacional. Há que estar vigilante à sua agenda encoberta. E não se venha dizer que são "teorias da conspiração"…