Criança morta em praia turca torna-se símbolo de crise migratória
Pelo menos 12 refugiados sírios – 5 deles menores de idade – perderam a vida em dois incidentes enquanto tentavam atravessar a estreita faixa de água que separa a península de Bodrum, na Turquia, da ilha grega de Kos, informou a imprensa local citando fontes das forças de segurança. Os cadáveres apareceram no início da manhã desta quarta (2) numa praia turca, o que levou a Guarda Costeira a mobilizar equipes de salvamento, que conseguiram resgatar 6 pessoas das duas embarcações avariadas.
Publicado 03/09/2015 11:15
As equipes de salvamento recuperaram 12 corpos, entre os quais o de Aylan Kurdi, com 3 anos, cujo irmão Galip, de cinco anos, também morreu no naufrágio, segundo a imprensa turca. A foto de um dos meninos, o menor, foi distribuída pela agência Reuters. Na imagem, a criança aparece de bruços numa praia de Bodrim, no sul da faixa asiática da Turquia. Na sequência da reportagem da agência britânica, aparece um policial turco carregando o corpo sem vida do menino.
A imagem do menino morto foi reproduzida nas redes sociais do mundo todo com a hashtag #kiyiyavuraninsanlik: “a humanidade se choca contra a costa”.
"Desculpem pela agressividade da imagem. Hoje, mais uma vítima da crise de refugiados. Um garoto sírio, nas costas da Turquia. Ele não morreu afogado. Não foi o mar que o matou. Não foi uma fatalidade. Ele foi assassinado. Acorda Europa", postou Jamil Chade.
Abaixo, a consternação do jornalista, diretor do El País, Juan Cruz
A morte de uma criança é uma afronta, um grito da vida contra a morte. Uma criança morta na praia, no lugar em que acontece esse idílio do mar com a terra e que aí não espalha felicidade, mas o terrível som de uma notícia de que chove como o pranto no coração. Uma criança morta na praia, em busca de refúgio no mundo, fugindo da guerra, fugindo do som cruel das armas e também da fome.
Essa imagem da criança síria morta em uma praia turca, a desolação que apresenta o gesto do guarda que foi salvá-lo, a luz, a praia, essa costa que parece um símbolo da própria passagem descalça da criança por um mundo que já não vai recebê-lo nunca, nem ele nem muitos. É um poema comovente, um réquiem como aquele que entoava José Hierro: é uma criança como milhões de crianças, um ser humano que já ri, pergunta e persegue sombras como se fossem brinquedos.
A machadada cruel dos nossos tempos faz dela o retrato com o qual a consciência do mundo há de conviver como expressão dessa afronta. O guarda fez o gesto desesperado; mas antes do guarda foi o mundo que não soube salvá-la; o guarda foi o herói dos olhos tristes, fez tudo o que podia.
O mundo não soube salvá-la. Seu único destino, o de seus pais, o de seus passos, era sobreviver; seu horizonte não era sequer viver, ter profissão, amores e despedidas: seu destino, esse que agora jaz sem vida no mundo, era o de desenhar na areia a casa, o barco, e já não há nem casa nem barco nem nada. Não há nada.
O mundo levou-lhe tudo: nem este nem aquele, nem este país nem este outro: o responsável por esta terrível expressão dos nossos tempos é o mundo inteiro, porque a criança é também o mundo inteiro. Suas mãos são os desenhos que deixa, seu corpo de três ou quatro anos é o que resta da árvore que ela teria imaginado que era a vida, e antes da hora soube que o mundo não sabe salvar as crianças, porque também desconhece como se salvar. Aí jaz, nessa praia, o mundo inteiro.