Diógenes Júnior: Quando quem deveria nos proteger nos mata
A penúltima chacina acontecida no Brasil, mais especificamente em Osasco, deveria despertar em toda a sociedade um profundo sentimento de indignação incondicional. Mas não. Tão certa quanto a constatação de que essa chacina não será a última é a constatação de que alguns setores da sociedade não apenas deixaram de se indignar, como concordam e até mesmo aplaudem esse tipo de crime.
Por Diógenes Júnior, especial para o Portal Vermelho
Publicado 02/09/2015 12:16
Há inequívocos indícios de que a chacina foi executada por policiais militares organizados como grupo de extermínio: as evidências nesse sentido são claríssimas, embora a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo queira protelar a declaração oficial que confirmará o que todos já sabem.
Não será a primeira vez que isso aconteceu, e como disse anteriormente, quando acontecer novamente, não será a última.
Será a penúltima.
Conforme minha pesquisa, só nesse ano foram contabilizadas oficialmente nove chacinas cujas investigações apontam como autores grupos de extermínio formado por policiais militares:
1 – Mogi das Cruzes (Grande SP)
24 de janeiro: três pessoas são assassinadas no bairro Capureta.
Cristian Silveira Filho, Ivan Marcos dos Santos Souza, Lucas Tomas de Abreu morrem na rua Waldir Carrião Soares.
No mesmo dia, ocorrem outras duas mortes na cidade.
Um policial militar de Suzano é indiciado pela Polícia Civil sob suspeita de participação na chacina.
O nome do acusado não foi revelado.
2 – Vila Jacuí (Zona Leste)
24 de janeiro: O soldado Ataíde dos Santos Júnior é assassinado a tiros quando andava de moto, de folga, na avenida Campanella.
2 de fevereiro: Gabriel Silva Soares, Edvan Lemos Cordeiro e Mateus Lemos Cordeiro foram assassinados por homens encapuzados quando conversavam em uma praça da rua João Tavares. A pequena Manoela Costa Romagnoli, de apenas dez meses, que estava dentro de casa, também morreu, ao ser atingida por uma bala perdida.
3 – Parque Santo Antônio (zona sul)
28 de fevereiro: Morre o soldado Fernando Esnilherson Nascimento, que estava internado havia mais de uma semana após ser baleado em patrulhamento.
7 de março: Cinco pessoas são executadas na rua José Sedenho e outras seis pessoas morreram na região. O nome das vítimas não foi noticiado pela imprensa.
4 – Jaçanã (Zona Norte)
22 de março: O cabo Spencer William de Almeida é assassinado no bairro quando fechava o portão da casa em que morava.
24 de março: Marcos Nunes Pereira Pinto morre e outras quatro pessoas ficam feridas em um bar da rua Igarapé Primavera.
5 – Tremembé (Zona Norte)
5 de abril: O soldado Rafael Lisboa Porto é morto, no Tremembé, por assaltantes que invadiram a casa dele após darem a desculpa de que queriam buscar uma bola que teria caído no quintal.
9 de abril: Barbara Cristina de Andrade, Elias Menezes dos Santos e José Rodrigo Silva de Lima são executados na rua Arley Gilberto de Araújo. Outra pessoa havia sido morta pouco antes na região.
6 – Parelheiros (Zona Sul)
15 de abril pela manhã: O cabo Leonílson Figueiredo Dias é executado em frente à casa onde morava, na Estrada 15.
15 de abril à noite: Rodrigo da Silva Costa e um desconhecido são mortos na rua Fonte Nova. Ulisses Dias Gomes e outro desconhecido são executados na rua Alice Bastide.
Duas pessoas da mesma família morrem na rua Sônia.
Os locais dos crimes ficam em um raio de 500 metros.
7 – Vila dos Remédios (Zona Oeste)
18 de abril: Oito integrantes da torcida Pavilhão Nove, do Corinthians, são mortos na sede da agremiação. Foram executados André Luiz Santos de Oliveira, Jhonatan Fernando Garzillo, Jonathan Rodrigues do Nascimento, Fabio Neves Domingos, Marco Antônio Corassa Junior, Mateus Fonseca de Oliveira, Mydras Schmidt e Ricardo Junior Leonel do Prado.
Em maio, a Polícia Civil identifica o soldado Walter Pereira da Silva Junior como um dos prováveis autores da chacina.
8 – Mogi das Cruzes (Grande SP)
6 de de abril: O soldado Sílvio de Souza, que trabalhava em Suzano, é encontrado morto, com as mãos amarradas, no quilômetro 22 da Rodovia Ayrton Senna, em Guarulhos.
No dia 20, um PM reformado é baleado em assalto em Suzano.
26 e 27 de de abril: Ao menos seis pessoas morrem e outras duas ficam feridas durante uma série de ataques em Mogi das Cruzes, cidade vizinha a Suzano.
Em um único ataque, na rua Presidente João Goulart, bairro Capureta, três pessoas são assassinadas: José Dias Figueiredo Jr. e dois desconhecidos.
9 – Jardim São Luís (Zona Sul)
21 de junho: O soldado Elias Dias Brasil é assassinado em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Os matadores fogem e abandonam o veículo usado no crime no Parque Fernanda, Capão Redondo, zona sul da Capital.
1º de julho: Seis pessoas são mortas na região. Alerrandro Henrique de Sena, Carlos Alexandre da Cruz Oliveira, Cosme Norberto da Silva, Israel Júlio Nascimento Brito, Marciano de Oliveira e Sidney Alves de Lima são assassinados na rua Maria José de Carvalho, no Jardim São Luis.
Existe em nossa sociedade uma fissura que tenta se ocultar, é tão clara como a água limpa e remete a um pântano lodoso onde o conceito de Justiça é substituído pela barbárie da vingança, vingança contra vítimas que na absoluta maioria dos casos não têm nenhuma relação com os crimes que motivaram um atentado contra suas vidas.
Muitos policiais matam amparados por uma moralidade socialmente aceita de que a execução de pessoas com antecedentes criminais é “legítima para extirpar o crime da sociedade.”
A imprensa, quando dá mais destaque à possível existência de antecedentes criminais dos mortos age como co-autora das execuções, assassinando-lhes a reputação na tentativa de legitimar suas mortes.
A pena de morte é justificável sob tal alegação?
O cidadão que no passado cometeu algum crime deve carregar sobre seus ombros o estigma de “ex-presidiário”, estigma que lhe relega ao ostracismo social, à dificuldade em encontrar um emprego, ou na truculência com a qual é abordado pela polícia, tratado como “eterno criminoso” ao responder afirmativamente a uma indagação sobre seus antecedentes criminais?
O ex-presidiário deve ter contra si uma sentença de morte não-oficial, independente de ter pago sua dívida para com a sociedade?
É essa lei que os grupos de extermínio formados por policiais militares querem impor quando entram em um bar repleto de pessoas e decidem quem deve morrer ou quem deve viver conforme a resposta que obtêm ao perguntarem:“Quem aqui tem passagem?”
A parcela da sociedade que não aceita a cooptação da Justiça pela barbárie da vingança clama por uma investigação isenta por parte da Secretaria de Segurança Pública, uma investigação que aponte seus autores, que corte na própria carne e extirpe de uma vez esse câncer.
Que a Justiça – não vingança – Justiça seja implacável contra esses criminosos.
A parcela da sociedade que não aceita a cooptação da Justiça pela barbárie da vingança deseja ardentemente que a penúltima chacina ocorrida em São Paulo seja definitivamente a última.