O presidente da Guatemala em seu labirinto
O general Otto Pérez Molina está em um labirinto, depois de perder credibilidade perante os guatemaltecos e o apoio da cúpula empresarial, enquanto 17 servidores públicos de seu governo renunciaram no meio de um escândalo de corrupção.
Publicado 28/08/2015 17:00
O presidente afirmou em 23 de agosto, em uma mensagem à nação, que presidirá seu governo até o fim do mandato (14 de janeiro de 2016) e negou qualquer vínculo com os crimes da Superintendência de Administração Tributária (SAT).
"Declaro categoricamente que nego minha vinculação" às atividades ilegais denunciadas na SAT, e nego de forma terminante as acusações de "ter recebido dinheiro algum dessa operação de fraude alfandegária", indicou.
No entanto, a Promotoria Especial Contra a Impunidade revelou no dia 24 de agosto, durante a audiência de primeira declaração da ex-vice-presidenta Roxana Baldetti, uma conversa telefônica entre o presidente e o chefe da SAT, Carlos Muñoz.
De acordo com a gravação de 3 de novembro de 2014, ambos se cumprimentam e é possível ouvir Pérez Molina perguntar: "Por que não me querem mudar o de recursos humanos, qual é o problema?".
Muñoz respondeu que "este senhor publicitário, presidente, ele não sabe nada de Recursos Humanos". Ante essa justificativa, o governante ordena: "Coloca, coloca o que você disse, pois, este Sebastián, mas coloca já, amanhã".
Imediatamente escuta-se o interlocutor se comprometer com a mudança nesse mesmo dia e depois pedir uma reunião com ele para explicar um projeto sobre o qual quer consultar.
"Podemos nos reunir uma meia hora para lhe propor amanhã e eu o ligo, se quiser após a aprovação amanhã, eu o chamo (…) Eu quero explicar para onde quero levar este projeto para que você me dê luz verde", agregou Muñoz, substituído em janeiro deste ano por Omar Franco.
Ambos ex-superintendentes permanecem presos por vínculos com La Línea, rede de desvio milionário de dólares nas alfândegas, na qual estão implicados Baldetti, Pérez Molina e outras pessoas, incluído o fugitivo Juan Carlos Monzón, ex-secretário particular da Vice-presidência.
Implosão do Governo
A raiz do julgamento solicitado pela Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (Cicig) e pelo Ministério Público (MP) contra Pérez Molina, acusado neste caso de corrupção, pelo menos 17 servidores públicos apresentaram sua renúncia, incluída meia dúzia de ministros.
Desse dia até hoje se afastaram os titulares de Economia, Sergio de la Torre; Educação, Cynthia del Águila; Saúde, Luis Enrique Monterroso; Agricultura, Sebastián Marcucci; Finanças, Dorval Carías e Comunicações, Víctor Corado, e a chefa da secretaria de planejamento da Presidência, Ekaterina Parrilla.
Além disso, renunciaram os vice-ministros Claudia del Águila, Sigfrido Lee, María Luisa Flores, Marco Gutiérrez, Saúl Figueroa, Miguel Cabrera, Edwin Martínez, Vivian Lemus; e os comissionados Aleda Camacho e Juan Carlos Paiz.
Se não fosse suficiente, o atual vice-presidente Alejandro Maldonado escreveu em sua conta no Twitter duas mensagens sugestivas no meio destas acusações a Pérez Molina por supostamente co-dirigir junto a Baldetti, presa desde 21 de agosto, uma rede de desvio milionário de dólares.
Maldonado citou Abraham Lincoln: "Não se pode enganar a todos o tempo todo" e a um filósofo: "A vida está nas mãos de Deus, a honra está nas nossas mãos".
Várias organizações políticas, sociais e acadêmicas concordam em convocar uma Assembleia Constituinte quando restam menos de duas semanas para as eleições. Neste ponto concordam a Universidade de San Carlos (USAC), o Comitê de Desenvolvimento Camponês, a Coordenação Nacional de Organizações Camponesas, Resistência Urbana e o Partido Guatemalteco do Trabalho (PGT).
Os comunistas guatemaltecos sugeriram em um comunicado refundar o Estado através de uma nova Constituição Política e leis constitucionais, a dissolução do atual Congresso e integrar outra Corte Suprema de Justiça e Corte de Constitucionalidade.
A crise política atual é consequência da luta pela hegemonia e pelo controle do Estado e de suas instituições entre facções da classe dominante que representam interesses dos capitais multinacional, nacional e mafioso-criminoso, recordaram.
Para o PGT a realização de eleições gerais, convocadas para o próximo dia 6 de setembro, não resolve a crise, pois "constituem um mecanismo de reacomodação das forças econômicas e políticas dominantes do sistema".
O processo eleitoral em curso, opinaram, está cheio de irregularidades e violações à Carta Magna, à Lei Eleitoral e de Partidos Políticos.
"Realizar as eleições é ilegítimo porque não se atendeu a exigência e as demandas da cidadania de introduzir reformas à Lei Eleitoral e de Partidos Políticos", sublinharam.
Foram convocadas manifestações nos departamentos (estados) da Guatemala, e uma passeata nacional junto à USAC.
O movimento 'Justiça Já' distribui um panfleto no qual adverte que Pérez Molina não representa a unidade nacional e deve ser demitido imediatamente pelas recentes acusações.
"O Congresso da Guatemala não escuta o povo que exige reformas reais e profundas a este sistema corrupto e excludente", se lê no panfleto elaborado por esse grupo, um dos participantes das manifestações contra o governo realizadas nos últimos quatro meses nesta capital.
Continuou a audiência de primeira declaração de Baldetti, um dia depois do Ministério Público revelar as gravações telefônicas na qual estão implicados ela, Pérez Molina e outros integrantes do grupo La Línea.
Frente a sua decisão de permanecer no cargo, a corte Suprema de Justiça (CSJ) deverá conceder o pré-julgamento solicitado pelo MP e pela Cicig, uma instituição reconhecida pelas Nações Unidas, contra o chefe de Estado.
Depois que a CSJ tramitar o caso, o Congresso integrará uma comissão investigativa para analisar se o presidente perderá a imunidade.
Nesse extremo, a Promotoria o investigaria como qualquer cidadão perante um tribunal, como acontece com Baldetti, quem renunciou dia 8 de maio deste ano.
A primeira mulher a chegar à Vice-presidência da Guatemala descartou a possibilidade de renunciar no dia 19 de abril durante uma coletiva de imprensa, no entanto, 19 dias depois, foi pressionada pelas manifestações de rua.
Tudo indica que, se a renúncia de Pérez Molina demorar muito, os protestos pacíficos até o momento poderiam levar a acontecimentos violentos neste país centro-americano que assinou os acordos de paz há apenas 19 anos.