Amorim: Mídia é mais conservadora do que a média da elite brasileira
Nesta terça-feira (28),o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, afirmou durante evento na sede da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM-CUT), em São Bernardo do Campo, que considera um "absurdo" os factoides lançados contra o ex-presidente Lula e criticou o que chamou de conservadorismo na imprensa em relação as acusações de que o ex-presidente teria feito lobby no exterior em benefício de empresas.
Publicado 29/07/2015 10:09
"Não vou ficar citando nomes, todos os ex-presidentes apoiam, e mesmo os presidentes no cargo. Claro que você não vai apoiar uma empresa brasileira contra outra. Agora, apoiar empresa brasileira em coisas que são boas para o Brasil – claro que dentro da honestidade, da legitimidade – é perfeitamente cabível. Seria até surpreendente um presidente não fazer isso", afirmou Amorim.
Para Amorim, a mídia brasileira tem uma posição mais conservadora do que a média da elite brasileira. "É uma coisa que sociologicamente ainda não consegui explicar totalmente. Você tem exceções de pessoas, mas ela faz a intermediação da dependência. A dependência se faz por outros meios, através da passagens de certas ideias", comentou.
Ainda sobre a questão da atuação do ex-presidente no exterior, Amorim afirmou que "isso realmente mostra a que ponto chegou a politização". "Você não está defendendo aquela empresa, o lucro daquela empresa, mas os brasileiros que trabalham, que dão a sua força de trabalho para determinado produto ou serviço. Você está defendendo a renda nacional. Isso é uma coisa descabida, as pessoas perderam a noção total da coisa. Claro que sempre – como eu tenho certeza de que sempre foi – dentro dos padrões de legitimidade, de honestidade."
Ele separou essa questão de investigações em curso, como o que ocorre na Operação Lava Jato. "Não vamos defender o que é errado, o que aconteceu aqui, esse problema dos escândalos da Petrobras, tudo deve ser apurado. Ninguém deve assumir isso para si. A esquerda brasileira não tem de assumir para si os eventuais erros, crimes ou delitos cometidos."
Estabilidade política
Da mesma forma, disse Amorim, não se pode negar que o país enfrenta uma situação grave do ponto de vista econômico – em parte motivada pela queda de preços das commodities –, que piora com a conjuntura política. "É muito importante não perder de vista que o aprofundamento da crise política não interessa à classe trabalhadora. Temos de trabalhar pela estabilidade e, ao mesmo tempo, pela manutenção dos direitos e de tudo aquilo o que foi obtido. Claro que, num momento de instabilidade, alguma coisa pode não ser a ideal. "É muito importante compreender que há um modelo que visa a uma maior participação do povo na renda nacional, que deve ser preservado, mas para isso também devemos manter uma estabilidade política."
Cauteloso e sem comentar a atual política externa, o ex-ministro considera que houve um "pequeno retrocesso" no Mercosul, mas lembra que em período recente esse bloco econômico multiplicou seu comércio em 12 vezes, enquanto o comércio mundial aumentou em cinco. Em sua palestra, ele destacou o grande aumento da participação dos países em desenvolvimento no comércio internacional. "Houve uma verdadeira revolução no processo decisório. Como os países (em desenvolvimento) passaram a ter maior poder de decisão, construtiva, logicamente a negociação tornou-se complexa."
Amorim se declarou um "sul-americanista". E contou que certa vez um jornalista perguntou por que tanto interesse no continente. "Porque eu moro aqui" foi a resposta.
Ele também considera que o Brasil acertou na escolha da Suécia para compra de jatos. "Acho que foi uma escolha técnica da Força Aérea", afirmou, destacando três aspectos levados em conta: performance do avião, preço e transferência de tecnologia. "A melhor resposta, indiscutivelmente, foi o Gripen (jato sueco)." Amorim ressaltou outro benefício: "A Suécia não é um país membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma associação militar), e está menos sujeita a certas restrições." Também há o ganho "lateral" de estabelecimento de uma indústria da defesa em São Bernardo do Campo, acrescentou.
Na visão do embaixador, o mundo vive hoje uma espécie de conflito, em termos de política externa, entre a solidariedade e o interesse nacional. A preocupação do governo Lula, por exemplo, foi exatamente "matizar o interesse nacional com a solidariedade internacional". Ao identificar certa "perda de intensidade" na política brasileira atual, ele afirmou que os países pobres ainda "esperam muito do Brasil".
Amorim considera um ponto positivo da gestão Dilma a criação de um banco do Brics, bloco que inclui a África do Sul, a China e a Rússia. "O Brics criam um maior equilíbrio nas relações internacionais, favorecem o que nós chamamos de multipolaridade, e nos dão alternativa. Até o fato de existir o banco dos Brics vai levar o Banco Mundial a repensar algumas de suas práticas." Sobre a atual situação da Grécia, ele vê um teste para a União Europeia, "que tem repercussão para outras organizações que buscaram fazer da solidariedade o seu cimento".
Em relação à imprensa, ele citou duas passagens que considera ilustrativas da visão da mídia sobre ações recentes do governo brasileiro. "Fomos tão criticados por causa da nossa política com Cuba (sobre o porto Mariel), e hoje ninguém fala mais. Claro, depois que os empresários de Nova York estão chegando lá em penca. Com o Irã, o Brasil se empenhou muito, eu me empenhei pessoalmente, em chegar a uma declaração unilateral do Irã, que seria uma construção de confiança com o Ocidente, que teria ajudado muito (no acordo anunciado em abril, sobre o programa nuclear iraniano). O ponto de partida seria muito melhor. Uma revista brasileira chegou a botar uma foto minha ao lado do Ahmadinejad (o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad) para fazer um paralelo como se fossem dois inimigos de Israel."
Esses exemplos remetem a recentes inflexões dos Estados Unidos em relação tanto a Cuba como ao Irã. Sobre o primeiro caso, um jornalista norte-americano, amigo de Amorim, escreveu que se trata do maior legado do governo Obama. O ex-ministro escreveu para o jornalista dizendo que a política externa norte-americana estava ficando cada vez mais parecida com a brasileira. "Assim é bom que não falam tão mal da nossa", diz o embaixador, rindo.