Leonardo Avritzer: Cunha é principal fator de instabilidade no país
Na antessala de uma denúncia criminal à Justiça por corrupção, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reagiu com tiros para todo lado à revelação de um lobista de que teria cobrado US$ 5 milhões em propina. De uma vez só, atacou Palácio do Planalto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o juiz Sergio Moro. À luz do dia e nos bastidores, distribui ameaças de retaliação ao governo.
Publicado 27/07/2015 10:53
Para o presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, Leonardo Avritzer, o comportamento do deputado não deixa dúvidas: “Eduardo Cunha é o principal componente de instabilidade no país hoje, não é a presidenta (Dilma Rousseff)”. “Mas ele não tem nenhuma condição de sustentar esse nível de conflito com todos os poderes. Pode talvez causar um pequeno dano ao governo no ajuste fiscal”, diz.
Pode e já dá mostras de que vai. Um dia depois de o governo anunciar que iria propor ao Congresso o rebaixamento da meta fiscal de 2015, de 1,1% para 0,15% do PIB, Cunha avisou via mídia que o Planalto terá “dias difíceis” para aprovar a mudança no Parlamento. Sem a alteração, Dilma poderá incorrer em crime de responsabilidade, ponto de partida para um processo de impeachment.
Para Avritzer, a situação de Cunha lembra a do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti. Eleito para o cargo em 2005 graças ao baixo clero, tropa de parlamentares inexpressivos e apelo midiático, a mesma que deu poder a Cunha, Cavalcanti foi forçado a deixar o posto sete meses depois, sob a acusação de receber “mensalinho”. “A situação em 2005 só se estabilizou com a renúncia do Severino”, lembra o cientista político. Mas será que o baixo clero continuará com Cunha para o que der e vier? “É difícil saber, é a grande incógnita.”
A postura do baixo clero será importante para o futuro de Cunha, mas não será a única. E talvez nem a decisiva. “Ele é um presidente muito atípico. É forte no baixo clero, mas transita bem entre as lideranças da Câmara e até do Senado, como o (senador tucano) Aécio Neves (PSDB-MG).” Por isso, diz Avritzer, não é certo que as manifestações pela renúncia de Cunha feitas por deputados experientes como Miro Teixeira (Pros-RJ) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) ganhem corpo na Casa.
A iminente denúncia preparada por Janot contra Cunha será um dos elementos a fazer de agosto um mês decisivo. Uma penca de políticos processados pela Lava Jato, nova passeata “Fora Dilma”, julgamento das contas fiscais do governo, Cunha na oposição, re-indicação de Janot por Dilma para o cargo de procurador-geral. “Agosto vai testar a estabilidade das instituições políticas do país. Desde a redemocratização, nunca tantas instituições estiveram envolvidas em um momento de forte impasse”, afirma Avritzer.
E, desta vez, ressalta ele, a turbulência esperada dentro do Legislativo será de um tipo diferente. Janot denunciará não só o presidente da Câmara, como também o do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e uma leva de deputados e senadores, todos enroscadas com falcatruas na Petrobras. “Crise simultânea na Câmara e no Senado é rara. A novidade para o segundo semestre é esta, a possibilidade de crise simultânea nas duas Casas”, diz o analista.
A crise do “mensalão” em 2005 e 2006, por exemplo, limitou-se à Câmara. Nos dois anos seguintes, Calheiros e depois José Sarney (PMDB-AP) enfrentaram dramas particulares à frente do Senado, mas sem que isso contaminasse o ambiente entre os deputados.
Mesmo que também seja alvejado por Janot – e será –, Calheiros parece estar em condições melhores de sobreviver do que Cunha, na avaliação de Avritzer. “O Renan é uma crise mais clássica, ele já passou por isso antes, tem apoio forte no PMDB do Senado. O Eduardo Cunha é mais difícil de prever. Poucas pessoas atiraram em tantas direções no mesmo dia. Se ele provocar uma crise aguda entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, e não é improvável, o Renan pode se dar bem.”
Não é à toa que no PT e no Planalto algumas vozes já aconselhem Dilma a tentar aproximar-se de Calheiros, a fim de não ter contra si Câmara e Senado ao mesmo tempo. Mas será que a petista topa mudar de postura? “Se ela tirar as lições da instabilidade do primeiro semestre, atuar junto ao Poder Judiciário, saber se defender no Congresso e falar às ruas, se for exitosa nisso, estabiliza a crise com ela. Mas, pelo que se viu no primeiro semestre, não parece provável”, afirma Avritzer.
De qualquer forma, ainda que o turbulento agosto detone uma campanha de impeachment, no embalo de manifestações de rua, “pedaladas fiscais” e mau humor do Legislativo, Avritzer entende que um Congresso devastado pela Lava Jato não tem autoridade para depor a presidenta. “Impeachment é uma questão política e legal que também exige uma base moral. Não me parece haver nem base política, nem base moral para este Congresso cassar hoje a presidenta.”