Um ano da ofensiva de Israel contra Gaza, o massacre anunciado
Os tambores da guerra israelense já anunciavam uma ofensiva contra a Faixa de Gaza dias antes do seu lançamento, em 8 de julho de 2014. Há exatamente um ano, Israel inaugurou a “Operação Margem Protetora”, com 51 dias de bombardeios por ar, terra e mar contra 1,8 milhão de palestinos no território sitiado. Uma série de artigos analisará a terceira grande ofensiva de Israel contra Gaza em cinco anos e o desenrolar das denúncias de crimes de guerra.
Por Moara Crivelente*, para o Portal Vermelho
Publicado 08/07/2015 13:03
Um "script" conhecido explica a escalada que culminou na chamada “Operação Margem Protetora”. Em hebraico, a ofensiva foi denominada “Tzuk Eitan”, ou “Penhasco Resoluto”, nome que um casal de Tiberíades, no norte, também deu ao seu bebê nascido naquela terça-feira. O nome, disse no mesmo dia, ao Times of Israel, o professor de sociologia, política e comunicação da Universidade Aberta de Israel, Yagil Levy, “sinaliza o poder, o comprometimento e a resiliência do povo israelense.” Já Steven Poole, que analisou a linguagem da “guerra moderna” num artigo para o diário britânico The Guardian, interpretou a mensagem como uma “garantia da inutilidade da resistência”.
Importa é que a narrativa israelense para a opção por mais uma guerra contra Gaza – a 12ª desde 1948, quando do estabelecimento do Estado de Israel, contabiliza o historiador francês Jean Pierre Filiu para um dossiê do Journal of Palestine Studies – é paulatina e cuidadosamente construída pelos oficiais e pela mídia massiva nacional e internacional. Pouco ou nenhum questionamento é veiculado sobre os fatos repassados pelas fontes oficiais, frequentemente do Exército ou do gabinete de segurança. Quando há questionamento, disse o colunista Gideon Levy do diário Haaretz, em entrevista por telefone, os próprios leitores, mobilizados por uma narrativa nacionalista de guerra particular em Israel, acossam a dissidência.
Uma ofensiva contra a Cisjordânia precedeu em quase um mês o ataque a Gaza, um estreito território litorâneo, o mais densamente habitado do mundo, sitiado desde 2007. Gaza é, desde aquele ano, governada pelo Hamas, taxado de “organização terrorista” por Israel e alguns dos seus aliados. Aí, explica a jurista Lisa Hajjar, em artigo para o portal Jadaliyya, está a explicação da permissão autoconcedida pelas autoridades israelenses para matar. Indiscriminadamente, segundo soldados israelenses que deram depoimentos à organização de veteranos Breaking the Silence ("Quebrando o Silêncio"), na série intitulada "This was How we Fought in Gaza" ("Foi assim que lutamos em Gaza").
A escola Sobhi Abu Karsh foi substancialmente atingida, na Cidade de Gaza. 5 de agosto 2014. Foto: AFP
A operação militar na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental – denominada, com uma referência bíblica, “Guardião Fraterno” – fora lançada em 12 de junho para buscar por três jovens colonos que haviam desaparecido. Desde a partida, o Hamas foi acusado pelo sequestro de Eyal Yifrach, Gilad Shaar e Naftali Fraenkel, residentes de Gush Etzion – um bloco de 22 colônias com mais de 70 mil habitantes, entre Jerusalém e Belém, na Cisjordânia ocupada. Poucos dias depois, os três adolescentes foram encontrados mortos.
Em 10 dias, as forças israelenses prenderam quase 350 palestinos e a violência, tanto por parte dos soldados quanto dos colonos, consumou-se, hedionda. Em 2 de julho, o palestino Mohamed Abu Khdeir, de 16 anos de idade, foi sequestrado em Shufat (Jerusalém Oriental), espancado e calcinado por colonos israelenses. Outros ataques seguiram-se motivados por “vingança”, de acordo com os próprios perpetradores, que ficam, em grande parte, impunes. Entre junho e agosto, 27 palestinos foram mortos, centenas foram presos arbitrariamente e a retomada oficial das demolições de casas como “medida punitiva” – mantida a nível informal – marcou a posição generalizada das autoridades israelenses; 27 pessoas ficaram sem lar (inclusive 13 crianças), de acordo com a organização israelense de defesa dos direitos humanos B’Tselem.
Nova guerra contra Gaza
Neste contexto, desde a Faixa de Gaza, brigadas palestinas lançaram foguetes contra o território israelense. Como de costume,
Hospitais abarrotados tampouco escaparam dos bombardeios, contou o Dr. Belal Dabour, que atendeu à ligação para a entrevista desde o telhado do hospital Al-Shifaa, o maior de Gaza, onde a equipe trabalhava, em alerta, em turnos de 24 horas. Em 21 de julho, o número de vítimas fatais já passava de 460 pessoas; as autoridades palestinas buscavam publicar listas com seus nomes, idades e residência, para que não se tornassem apenas estatísticas.
Fim da impunidade?
Mustafa Barghouthi, da Iniciativa Nacional Palestina, acompanhando o caso palestino diante do Tribunal Penal Internacional (TPI), mostrou a uma delegação brasileira que visitou a Cisjordânia em abril deste ano dezenas de fotos que evidenciam a devastação e o uso de “bombas de barril” – que causam dano indiscriminado – pelas forças israelenses. Este é exemplo dos crimes de guerra de que é acusado o Exército de Israel, uma vez que o princípio de discriminação dos “alvos” é fundamental no Direito Internacional Humanitário, aquele que regula a guerra.
A juíza Mary McGowan Davis, chefe da comissão de inquérito, considerou que “a extensão da devastação e o sofrimento humano em Gaza foram inéditos e impactarão as gerações futuras.” Na semana passada, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução – com apenas um voto negativo, o dos EUA – em consequência do relatório publicado em 22 de junho, sobre a situação na Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Leste.
Todos os membros europeus do Conselho, inclusive o Reino Unido, França e Alemanha, votaram a favor do documento, que enfatiza “a necessidade de garantir-se que todos os responsáveis por violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos internacionais sejam responsabilizados, através de mecanismos de justiça penal apropriados, imparciais e independentes, domésticos ou internacionais.”
Desde 1º de abril de 2015, o Estado da Palestina é membro efetivo do TPI e, mesmo que Israel não o seja, o caso já é avaliado, em “exames preliminares”, pela promotoria. Assim como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o TPI sofre represálias das autoridades israelenses e aliados. Os EUA, por exemplo, que tampouco integram a corte e tentaram impedir o estabelecimento da comissão de inquérito, com o único voto negativo durante a votação no Conselho dos Direitos Humanos, em julho de 2014, consideram a medida “contraprodutiva”. É preciso acompanhar e demandar que, desta vez, a histórica impunidade, na base de sustentação deste ciclo de massacre e devastação e da própria ocupação da Palestina, seja por fim interrompida.