A “receita” da UE nada trouxe de positivo

De visita a Portugal, o secretário-geral do Partido Progressista do Povo Trabalhador (AKEL) do Chipre, Andros Kyprianou, concedeu uma entrevista ao Avante! em que abordou a evolução da situação política, social e econômica no país no quadro dos constrangimentos impostos pela UE e pelo FMI; fez um breve balanço do Congresso do partido realizado recentemente; e reiterou a importância de reunificar a ilha e o seu povo.

Partido Progressista do Povo Trabalhador do Chipre

Qual a evolução da situação em Chipre após as eleições realizadas em 2013, nomeadamente com a intervenção direta da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional, através do Banco Central Europeu e do chamado “memorando”, assinado pelo governo de direita?

Estamos convencidos de que Nicos Anastasiades foi ajudado por vários líderes da UE para ganhar as eleições, em fevereiro de 2013. Não estavam contentes com a forma como o presidente Dimitris Christofias, [secretário-geral do AKEL até 2009 e chefe de Estado do Chipre entre 2008 e 2013] negociava. Insistiam em mais severas medidas de “austeridade” e recusaram a proposta do governo cipriota, sublinhando que voltariam a negociar após a eleição de um novo presidente. A maioria dos líderes europeus visitou Chipre durante a campanha eleitoral. A Srª. Merkel esteve lá, por exemplo.

Neste quadro, para o AKEL tornou-se claro que pretendiam eleger o senhor Anastasiades e que este aceitaria todos os termos de um acordo proposto pela UE, o qual sempre consideramos catastrófico para o nosso povo e para o nosso país.

Transformaram o Chipre num laboratório e aplicaram o chamado “programa de regate”. Promoveram a desconfiança no setor bancário do Chipre. Interromperam a possibilidade de as instituições financeiras concederem crédito à economia real visando o crescimento. E claro, as taxas de juro [para os empréstimos sobre a dívida soberana] dispararam, o que não serviu a ninguém.

Isto praticamente destruiu a economia do país. Durante dois anos e meio, muitas medidas foram aplicadas contra a vontade e interesses do povo para salvar a banca. Casas e propriedades foram entregues aos bancos. Estes venderam-nas a fundos de investimento estrangeiro procurando, assim, recuperar os respectivos créditos.

A “receita” da UE, com privatizações dos setores públicos lucrativos e estratégicos para a economia do país, nada trouxe de positivo. Não existe perspectiva de crescimento e a situação social degrada-se continuamente. O desemprego disparou para 16 por cento e entre os jovens supera os 35 por cento. 45 por cento dos jovens com formação superior foram forçados a emigrar. 39 por cento da população vive em risco de pobreza. As pensões e salários foram reduzidos em mais de 30 por cento. As habitações e outras propriedades estão sendo vendidas pelos bancos a fundos estrangeiros, como já disse.

Em vez de observar a realidade, o governo vangloria-se com os elogios da UE, para quem Chipre é o campeão na implementação da sua “receita”. Para o AKEL, não é estranho que a UE saúde a imposição das suas medidas e instruções. A questão é: está a vida do nosso povo melhor com a aplicação das medidas ditas de “austeridade”?

Em nosso entender, a vida do nosso povo está pior e não se vislumbram melhoras. Creio que o mesmo sucede noutros países sujeitos a semelhantes medidas.

Dizem-se políticos modernos. Na verdade, em vez de olharem para os problemas e apresentarem soluções considerando as especificidades de cada país, aplicam a mesma “receita”.

Quais são as propostas e as lutas que desenvolve o AKEL para enfrentar os problemas com que Chipre se confronta, nomeadamente face aos constrangimentos da UE e da União Econômica e Monetária?

Primeiro temos que nos livrar do “memorando”. Acreditamos que não existe saída com a implementação das orientações da UE. Devemos enviar a Bruxelas uma mensagem muito clara de que a sua “receita” não resulta. Estamos a ver os esforços do governo grego e fica claro que a solução do problema é política. Nada tem a ver com perspectivas econômicas.

A UE não quer colocar as suas orientações a escrutínio. Não pretendem que ninguém conteste as suas decisões e medidas, por isso não acolhem as propostas gregas e rejeitam um consenso. O que querem é que o novo governo grego aceite as suas imposições sem alternativa.

O objetivo é, também, enviar uma mensagem aos restantes países, a qual podemos sintetizar na ideia de que “ou obedecem-nos, ou destruímos-vos”. Esta abordagem não é própria de uma UE que diz que promove a coesão e solidariedade entre os seus membros. Esta é a postura de uma UE em que um conjunto de países chantageia os demais.

Contestar e alterar a visão de comando não é uma tarefa fácil. Obriga a muito tempo e esforço, bem como a movimentações populares.

Da nossa parte, continuamos a considerar que o caminho para Chipre é promover o crescimento econômico em vez da “austeridade”. Existem limites que julgamos que podem ser explorados numa perspectiva diferente.

Dou um exemplo. Os credores estão a exigir-nos superavits a partir de 2016. Muito bem, mas a questão é que esse dinheiro, em nosso entender, deve ser usado para a promoção do crescimento, para melhorar a vida das pessoas. Temos igualmente vindo a apresentar propostas para a não privatização dos setores públicos estratégicos lucrativos, tais como as comunicações, transporte aéreo e portos. Promovemos, ainda, propostas para que as habitações das pessoas sejam salvaguardadas sempre que se prove que não têm qualquer responsabilidade no incumprimento dos empréstimos bancários, isto é, se antes da crise estavam a pagar os respectivos empréstimos normalmente e, depois, por responsabilidade da banca e do governo, deixaram de o poder fazer, não têm culpa e não podem ficar sem casa. Devem poder recorrer ao tribunal para provar que têm razão e devem manter as suas habitações.

Estas são algumas das propostas que temos apresentado para tornar a vida das pessoas mais suportável. Isto enquanto não é possível proceder a uma alteração das forças e doutrina dominante no Chipre e na UE, enquanto a luta que temos de travar não o conseguir.

O AKEL realizou, recentemente, o seu 22.º Congresso. Qual o balanço, as principais orientações e tarefas prioritárias aprovadas pelos comunistas cipriotas?

Depois de termos perdido as eleições de 2013, iniciamos uma discussão sobre como poderíamos reforçar a nossa influência na sociedade. Decidimos trabalhar a vários níveis para convencer o povo de que o AKEL é a força capaz de resistir a estas medidas antipopulares promovidas pela UE. Nesse sentido, questionamos como é que podemos reforçar a nossa organização e a sua ligação às massas. Acreditamos que quanto maior for a ligação ao povo, quanto mais oportunidade tivermos de ouvi-lo e esclarecer sobre as nossas propostas e perspectiva, melhor.

O Congresso discutiu, por isso, três questões fundamentais. A primeira, o carácter e identidade do partido, o seu fortalecimento político e ideológico e as mudanças em determinadas condutas negativas observadas nas últimas décadas. Em segundo lugar, abordamos a relação do partido com a sociedade, nomeadamente a participação no movimento popular, o papel dos comunistas nas organizações unitárias de massas, onde, na verdade, fomos perdendo influência. Em terceiro lugar, discutimos a formulação das nossas propostas no que diz respeito às questões concretas da vida das pessoas, ao que lhes diz respeito todos os dias.

Neste último aspecto, concluímos ser central incrementar a apresentação no parlamento de propostas que proporcionem ao povo uma vida melhor.

Obviamente que também elegemos a direção. Sublinho que cerca de 50 por cento dos membros do novo Comitê Central foram eleitos pela primeira vez, muitos dos quais têm entre 30 e 40 anos. Caldeando a experiência com o entusiasmo dos novos membros, julgamos ser possível avançar. Estamos confiantes e, aliás, as sondagens indicam que a população reconhece positivamente o AKEL.

Cumprem-se no próximo mês de julho 41 anos sobre a invasão turca da parte oriental da ilha de Chipre. A causa da reunificação de Chipre e do seu povo tem sido incessantemente protagonizada pelo AKEL. Quais as propostas do AKEL e as perspectivas de uma solução para este problema?

O AKEL foi pioneiro e tem sido sempre um forte defensor da reunificação. Sempre nos consideramos um partido quer dos gregos quer dos turcos cipriotas. Desde sempre contamos nas nossas fileiras com militantes turco-cipriotas, incluindo membros do Comite Central. Milhares de membros desta comunidade são sindicalizados.

Na atual conjuntura econômica, consideramos que a solução deste problema trará benefícios, nomeadamente ao nível do crescimento econômico, o que é uma razão adicional para a resolução da divisão do Chipre.

Como se deve então avançar? Julgamos que é de importância vital cumprir o que foi determinado nos acordos subscritos em 1977 sob a égide da “comunidade internacional”. Isto é, defendemos a constituição de uma federação bicomunal em condições de igualdade, bem como a constituição de um Estado único com uma única autoridade central soberana e uma única cidadania. Trata-se de reunir as instituições, o território e o povo num mesmo país que garanta a todos as liberdades e garantias básicas. Para aqui chegar, é necessário garantir que as Nações Unidas exercem o seu papel, de acordo, aliás, com as várias resoluções da ONU sobre a matéria.

Por fim, a Turquia tem de desempenhar um papel positivo. Acreditamos que as condições são favoráveis a que isso aconteça. O fato de terem sido descobertas reservas importantes de gás natural na zona econômica soberana do Chipre, e de a Turquia pretender ser parte ativa na discussão da sua exploração, pode favorecer um entendimento.

Da nossa parte, enviamos-lhes [à Turquia] uma mensagem clara: se proporcionarem um acordo para a reunificação que satisfaça as reivindicações e aspirações fundamentais dos cipriotas gregos e turcos, então a Turquia pode fazer parte desta discussão e desempenhar um papel importante na exploração de gás natural na área, bem como da distribuição dos seus dividendos em benefício de todos os cipriotas.