Educação dá ferramentas para camponeses permanecerem no campo
A educação no campo traz o princípio de desenvolver o interior para que as famílias possam viver “com dignidade”, sem criar a perspectiva da imigração. A análise é do professor da Unesp e coordenador da segunda Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Bernardo Mançano Fernandes, em entrevista à repórter Anelize Moreira, da Rádio Brasil Atual.
Publicado 19/06/2015 11:09
“A educação rural era vista como uma coisa residual, ou seja, aquela escola na qual as crianças iriam ser alfabetizadas para serem mandadas para a cidade, e sendo elas alfabetizadas nos quatro anos iniciais, muitas professoras levantavam a perspectiva de que seu destino seria a cidade. Portanto, não havia no conteúdo ensinado nenhuma análise da realidade em que essas crianças viviam. A perspectiva do êxito rural era colocada no conteúdo de ensino, ou seja, ir para a cidade seria o melhor caminho.”
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) lançou na quarta-feira (17) o estudo que traz um diagnóstico da realidade educacional nos assentamentos de reforma agrária em todos os estados do país, e evidencia os desafios que enfrentam os educadores e estudantes no direito de acesso à educação no meio rural.
“O que a pesquisa do Pronera mostra é que nós conseguimos introduzir esse novo paradigma desde o fundamental até a pós-graduação. O resultado das análises das produções que nós vimos é que, no Brasil, a educação do campo é voltada ao desenvolvimento dessas famílias para que possam viver em suas comunidades”, diz Fernandes.
A iniciativa é um resultado da luta de movimentos sindicais e sociais pela ampliação da escolarização de trabalhadores rurais assentados.
Antônia Vanderlúcia de Oliveira, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e integrante da Comissão Pedagógica Nacional do Pronera, lembra que as parcerias feitas pelo programa e as universidades é uma grande conquista para a educação no campo, fruto de muita insistência. “Eu lembro muito bem que em 1999, rodamos muito pelo Brasil, batendo de universidade a universidade, que pudessem fazer parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, e todas as universidades fecharam as portas. Mas, hoje, através do Pronera, o muro que era cercado, ao qual não tínhamos acesso, agora podemos ingressar.”
O coordenador da pesquisa afirma que o programa que atua em diversos níveis já beneficia 164 mil pessoas. “O Pronera, que nasceu em 1998, em 13 anos, atingiu todas as unidades da federação. Chegou em todos os estados do Brasil, se relacionou com a maior parte das universidades federais, estaduais e privadas. Foram desenvolvidos cursos em todos os níveis, ou seja, desde o fundamental até o superior, e foi além dos assentamentos de reforma agrária, pois o Pronera acabou atuando nos territórios da cidadania e rurais.”
A formação desses jovens é voltada para que eles atuem em cooperativas, associações, trabalhos em escolas e produção de alimentos. Entre os cursos presenciais ou a distância, estão inclusos: administração, agroecologia, agronomia, direito fundiário e ambiental.
Segundo a coordenadora nacional do MST, a pedagogia da alternância tem sido fundamental para os assentados. “Os cursos são em período de alternância, e têm sido um fator importante para provarmos que a questão da pedagogia tem sido fundamental. Porque quando trazemos esse princípio para o Pronera, é para os jovens não se distanciem no tempo de estudo da sua família, e isso temos observado através da pesquisa.”
Apesar dos avanços, o programa não consegue atender à demanda dos assentamentos. Para Bernardo, um dos desafios é levar o programa para maior número de jovens camponeses nos próximos anos. “A pesquisa mostrou que nosso trabalho atingiu somente a 10% da população total da agricultura camponesa que existe no Brasil. Portanto, nós ainda temos um desafio enorme pela frente, que é ampliar o projeto para atingir os outros 90% que estão sem estudar.”