Em apelo, parlamentar palestina presa por Israel afirma resistência
Khalida Jarrar é uma de 22 mulheres e 16 parlamentares entre quase seis mil prisioneiros palestinos em cárceres israelenses. Há dois meses, foi levada para o centro de detenção militar de Ofer, onde ficou por um mês e dois dias em “detenção administrativa”, sem acusação ou julgamento. Num processo confuso de audiências postergadas e decisões contrapostas, ela escreveu: os prisioneiros “não são culpados de defender a liberdade do seu povo oprimido.”
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
Publicado 10/06/2015 15:03
Conheci brevemente a parlamentar, da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP), durante a recepção do seu camarada Ra’ed Zibaar, no vilarejo de Kobar, em Ramallah, no dia anterior à sua detenção, através do Dr. Aqel Taqz, do Comitê Palestino pela Paz e a Solidariedade. Khalida discursou sobre o empenho dos palestinos na defesa dos prisioneiros, uma luta que não cessará enquanto o último companheiro permanecer sob o jugo israelense em seus cárceres. Na mesma fala, lembrou de Ahmad Sa’adat, secretário-geral da FPLP, preso desde 2002.
Naquele momento, a firmeza de Khalida inspirou, visivelmente, firmeza e convicção sobre a persistência da sua luta e a de seus companheiros, ali recepcionando Ra’ed, que também foi preso em 2002, no contexto da segunda intifada – o levante palestino contra a ocupação israelense, cuja resistência decidida foi brutalmente reprimida. Marcamos uma entrevista para aquela semana, mas a oportunidade foi perdida na arbitrária repressão israelense.
Khalida é advogada, integra o Conselho Legislativo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), preside a Comissão de Prisioneiros Palestinos em Prisões Israelenses e dirigiu por 13 anos a Associação de Apoio aos Prisioneiros e de Direitos Humanos Addameer (“Consciência”). Ela também foi nomeada para compor o Comitê Nacional de Acompanhamento do Tribunal Penal Internacional, cuja adesão palestina entrou em vigor em 1º de abril, já encaminhando diversas denúncias de crimes de guerra perpetrados pela “Potência Ocupante”, Israel.
Reconhecendo a importância da sua atuação, as forças israelenses invadiram a casa de Khalida em Ramallah em agosto de 2014, ordenando seu exílio em Jericó, na fronteira com a Jordânia. A parlamentar recusou-se a cumprir a ordem e montou um acampamento de protesto na própria cidade-sede administrativa da OLP.
"O carrasco não pode ser o juiz"
Antes liderando as massivas campanhas pela libertação de seus companheiros, Khalida agora é um personagem na solidariedade nacional e internacional. A promotoria militar israelense apresentou 12 acusações relativas ao seu papel nas campanhas em defesa dos prisioneiros, de acordo com a Addameer. Sua ordem inicial de “detenção administrativa” era de seis meses. Contrariamente aos princípios internacionais dos direitos humanos, a categoria, criada ainda durante o Mandato Britânico, findo em 1948, permite a detenção por períodos renováveis de seis meses, sem acusação formal ou julgamento. Mesmo com o indiciamento, porém, o juiz decidiu, em 15 de abril, mantê-la sob “detenção administrativa” para impedi-la de deixar a prisão sob fiança.
No início de maio, sua condição foi formalmente transformada em prisão e, no final do mês, o juiz Chaim Balitli respondera a um apelo da defesa por sua liberação, condicionada a uma fiança de 20.000 shekels (R$ 16.242,00). Entretanto, a promotoria da Corte Militar de Ofer recorreu da decisão defendendo a prisão de Khalida até o final do seu julgamento, com base em “informações secretas”, que já tinham sido analisadas pelo juiz Balitli e consideradas insubstanciais. A defesa da parlamentar é impedida do acesso aos documentos, de acordo com a Addameer.
De qualquer forma, a promotoria garantira que buscaria outra ordem de “detenção administrativa” caso Khalida fosse liberada. O direito a julgamentos justos é sistematicamente violado pelas autoridades israelenses que mantêm o aparato da ocupação dos territórios palestinos, principalmente na repressão da resistência.
Para a Addameer, a perseguição a Khalida é “vingativa, arbitrária e política, com o objetivo de puni-la por suas opiniões políticas e seu ativismo pelos direitos humanos dos palestinos.” A próxima audiência está marcada para 22 de junho, na Corte Militar de Ofer. Enquanto isso, Khalida apela aos solidários à causa palestina em todo o mundo: "Isso é para nós o preço a pagar pela nossa libertação, pela nossa dignidade e a do mundo inteiro. Nós nos fortalecemos com a sua solidariedade, ficamos de pé e continuamos a nossa luta enquanto ouvimos suas vozes solidárias à nossa resistência."
Leia a seguir a carta escrita em 2 de junho:
Neste mesmo instante, 240 crianças estão na prisão entre os 11000 prisioneiros palestinianos. Entre estes existem doentes graves e sem acesso a tratamento, o que significa uma condenação à morte. Alguns deles são pessoas com uma idade bastante avançada. Há também cerca de 600 prisioneiros, sem ter o número exato à mão, que passam por períodos de detenção administrativa sem nenhuma justificação jurídica ou acusação, exceto pela utilização de um decreto militar britânico que data da colonização britânica na Palestina, de 70 anos, sincronizada com o fim da época Nazi, o que nos remete, infelizmente, àquilo que eu descrevo da nossa época.
Há 9 anos ocupo o lugar de presidente da comissão dos prisioneiros palestinos nas prisões israelenses, como deputada eleita pelo povo palestino em luta por sua libertação. Fui durante 13 anos a diretora-geral da Associação Addameer pelos direitos dos palestinos e direitos humanos, uma das associações mais importantes que tem por missão a defesa dos prisioneiros. Isto significa que consagrei os últimos vinte anos da minha vida a trabalhar na defesa dos prisioneiros da Palestina nas prisões do colonizador e no seu combate por uma liberdade que lhes foi roubada por uma das últimas ocupações coloniais que resta no nosso planeta.
Durante todos estes anos, e em particular desde a minha eleição, onde me tornei representante dos palestinos, defendi com toda a minha força os prisioneiros e o seu direito a lutar contra as condições das detenções e os métodos utilizados nos interrogatórios, entre confidências forjadas e falsas acusações. Defendi os seus direitos a ter acesso a serviços médicos, o direito à vida e à libertação. Eles não são culpados de defender a liberdade do seu povo oprimido, uma ação reconhecida por todas as leis internacionais e pelas Nações Unidas, cujas leis e convenções deveriam aplicar-se a todos nós.
Sempre me dirigi aos povos de todo o mundo, pedi aos deputados, aos representantes dos governos e presidentes, para apoiarem os detidos palestinos, ao lado daqueles que procuram justiça, liberdade, valores e direitos humanos. Sempre exigi a condenação da ocupação, a sua sanção e o seu fim. Acredito que isto é o nosso dever, é o seu dever tal como é o nosso, nós, os Palestinos.
Hoje, afirmo não ter mudado de ideia: as minhas posições, as minhas convicções e as minhas vontades permanecem intactas, no entanto, o meu olhar é diferente: observo a realidade desde outra perspetiva, a partir da qual vejo as coisas mais claramente. Hoje, faço eu mesma parte das prisioneiras de que falei anteriormente, uma entre os 6000 prisioneiros, uma entre aqueles que sofrem a violência dos carrascos, que sofrem o peso da injustiça a cada dia, a cada hora, a cada instante.
Hoje, desde que fui detida na minha casa, em frente da minha família e do meu companheiro, fui privada do meu dever de servir aqueles que me elegeram. Hoje, sofri eu própria as técnicas dos soldados dos ocupantes, armados até aos cabelos, chegando à minha casa, com toda a atrocidade, no meio da noite, algemando-me, tapando-me os olhos e conduzindo-me para um lugar que desconheço.
Hoje fui informada que a minha detenção administrativa foi ordenada, uma detenção fundada sobre um decreto mais velho do que eu, um decreto que não se coaduna nem com a humanidade nem com a nossa época. Hoje o governo do ocupante tremeu depois de ter sofrido a pressão de pessoas livres de todo o mundo (condenando a minha detenção sem nenhuma acusação). Mas isso não impede o ocupante com as suas leis racistas de me enviar diante um tribunal, que todos sabemos ilegítimo, diante de juízes cuja incompetência todos conhecemos, pois um carrasco nunca poderá ser o juiz da sua vítima.
Mesmo que consigamos encontrar erros nestas leis caducas, falta uma última palavra, a do representante do ocupante, o promotor, uma vez que nenhuma autoridade está à altura da colonização e das suas regras; o ocupante não respeita sequer as sua próprias leis injustas e o seu sistema jurídico já implicado por si mesmo.
Isto é para nós o preço a pagar pela nossa libertação, pela nossa dignidade e a do mundo inteiro. Nós nos fortalecemos com a sua solidariedade, nós ficamos de pé e continuamos a nossa luta enquanto ouvimos a vossa voz solidária com a nossa resistência.
Envio esta mensagem da prisão, quando ainda não sei qual será o meu destino, quando ainda não sei quanto tempo vou passar nesta prisão suja que não é feita para seres humanos. Ainda não sei se encontrarei um médico digno desse título se ficar doente, não sei se a comida que me dão é poluída ou se a água não está envenenada, não sei quando é que o meu carrasco vai invadir a minha cela para me impedir de dormir e violar a minha intimidade. Não sei quando é que vou poder abraçar os meus filhos, Yafa e Suha, não sei quando é que vou ver o meu marido ou abraçar os meus pais. Sei que para tudo isto preciso de vocês, de cada voz livre neste mundo, para que ele repita com o meu povo e eu própria: Abaixo a ocupação, viva o povo da Palestina Livre.