Fausto Sorini: Não se pode morrer por Maastricht
Neste mês de maio estão vindo à tona os nós não desatados da zona do euro e da União Europeia. Este é também o sinal que, de maneiras diferentes e com orientações diferentes, se manifestou no voto e/ou no posicionamento de diversos povos do continente, como o espanhol, o polonês, o grego e o britânico.
Por Fausto Sorini* no site Marx21
Publicado 27/05/2015 12:18
Auguramos que seja também o sinal que será dado pelo voto italiano no próximo domingo (31), em primeiro lugar com a afirmação dos candidatos mais consequentes com tal orientação, presentes na lista progressista, comunista e de esquerda apoiada por nosso partido.
Antes de tudo, está vindo à tona o nó grego. A Grécia, que Mario Monti considerava “o maior sucesso do euro”, evidencia uma realidade que apenas quem está de má fé ou completamente desinformado pode negar: a gaiola da zona do euro debilitou bastante a sua economia, provocando uma drástica piora da balança comercial e um aumento da dívida (privada e pública); a política de austeridade imposta em troca de posteriores empréstimos – que na realidade serviram como seguro, transformando em créditos dos Estados da zona do euro e do FMI os créditos dos bancos alemães e franceses – piorou ulteriormente a situação, com o resultado de fazer a Grécia perder 26% do Produto Interno Bruto, milhões de postos de trabalho e parte significativa da capacidade industrial. E a dívida é maior do que antes e – ainda mais do que antes – é impagável.
A respeito dessa atroz evidência, o establishment euro-atlântico não tem a intenção de recuar e busca impor à Grécia um ulterior redimensionamento dos direitos dos trabalhadores e aposentados; embora até o momento não tenha conseguido dobrar e humilhar o governo grego, ainda apoiado pela maioria dos cidadãos do país. Este é atravessado por um duro debate, que desejamos possa terminar sem capitulação às chantagens da União Europeia e da Otan: porque isto abriria caminho a uma dramática desilusão para todos os povos europeus e primeiramente na Grécia, a uma perigosa contraofensiva reacionária e fascistoide que já está em gestação.
Esta é a situação, que agora torna concretamente possível a saída da Grécia da zona do euro. Quanto a essa eventualidade, o establishment euro-atlântico (e em particular o alemão, que evidentemente dirige o processo) está dividido: uma parte está preocupada com as consequências “imprevisíveis” de tal eventualidade (mas não está disponível para cancelar nem sequer parcialmente a insustentável dívida da Grécia), outra parte parece acalentar a ideia de uma “punição exemplar” à Grécia, para colocar na linha os demais países europeus em dificuldade (em primeiro lugar a Itália), mostrando as supostas terríveis consequências de uma saída da zona do euro.
Em 25 de maio, Paul Krugman fez uma advertência, lembrando que se trata de um jogo perigoso: pelo simples motivo de que uma Grécia fora da zona do euro poderia demonstrar aos seus torturadores exatamente o contrário do que estes esperam. Ou seja, que “existe vida além do euro”, e para além das fronteiras da União Europeia e da Otan. E que um outro mundo é possível, na cooperação com os Brics e com uma vasta área de países não alinhados. E mais precisamente que, fracassada a gaiola cambial e restauradas as relações de câmbio de mercado, a economia grega poderia voltar a crescer sem precisar recorrer aos drásticos cortes de salários que ocorreram nestes anos (que comprimem a demanda interna e, portanto, são contraproducentes).
Entre aqueles que estão preocupados com o rumo que os acontecimentos estão tomando, encontram-se os Estados Unidos, cujo posicionamento evidencia com toda a clareza as relações existentes entre a União Europeia, a zona do euro e o pacto atlântico. Basta recordar que além deste pacto militar imperialista, fonte de guerras diretas e por procuração, e de permanente instabilidade internacional, pretende-se agora afiançar um tratado de livre comércio que reforçaria os laços euro-atlânticos exatamente no momento em que o capitalismo europeu e o estadunidense estão em graves dificuldades, e precisamente no momento em que no mundo emergem outros interlocutores e outras realidades políticas e econômicas a que se abrir.
Os povos europeus estão exprimindo, de diferentes formas e nem sempre univocamente progressiva, uma mensagem clara na sua substância: a União Europeia e a União Econômica e Monetária (a zona do euro) não são mais consideradas fontes de progresso econômico e social. A lógica que as preside é cada vez mais claramente antidemocrática, é cada vez mais evidente a supremacia do Banco Central Europeu sobre os governos democraticamente eleitos e sobre os próprios valores constitucionais dos países membros, é cada vez mais clara a iniquidade das políticas que estão sendo seguidas em nome do fetiche da “estabilidade dos preços”, em benefício dos grandes potentados econômicos e financeiros e em detrimento da esmagadora maioria da população europeia.
Não se pode morrer por Maastricht, não se pode render ao desemprego em massa e a um declínio industrial e produtivo que tem suas raízes, entre outras coisas, na assunção dos valores liberais e monetaristas do Tratado Europeu e na substituição de fato (jamais submetida ao voto popular!) dos valores da nossa Constituição.
É chegado o momento de dizer com clareza que o conflito entre os direitos reconhecidos por nossa Constituição e os pseudo-valores que informam os tratados europeus, centrados na absoluta proeminência do mercado em todos os campos, deve ser resolvido a favor dos primeiros.
É chegada a hora de dizer que hoje pedir “mais Europa” significa fortalecer esta Europa antidemocrática, reacionária e atlântica. É chegado o momento de dizer que essa união monetária não representa um passo adiante para a Europa dos povos, mas precisamente o contrário: é um mecanismo que acentua a hierarquia econômica na Europa, que reforça os fortes e enfraquece os débeis, que atira os povos uns contra os outros e põe em causa os valores civilizacionais e sociais que acreditávamos fossem irreversíveis. Precisamente como aconteceu nos anos1930, nos quais o padrão ouro, um outro mecanismo de câmbio fixo, levou à deflação e abriu as portas ao nazismo e à segunda guerra mundial.
É chegado o tempo de quebrar o tabu de uma moeda que se tornou um fetiche e um instrumento permanente de chantagem social.
Chegou a hora de apoiar todos aqueles que na Europa, e a partir da Grécia, contrapõem de fato a esta ideologia de papel-moeda a centralidade dos valores do trabalho e do progresso social, rumo a uma sociedade melhor do que aquela imposta por décadas de pensamento único e de domínio incontrastável das classes dominantes e dos partidos que as representam.
A conclusão é simples e clara: nenhum progresso social e nenhuma política de cooperação e de paz com outras regiões do mundo são possíveis se não se rompem as cadeias desta gaiola neoimperialista representada pela União Europeia do euro e da Otan.
*Membro do Secretariado nacional do Partido Comunista da Itália, responsável internacional
Tradução de José Reinaldo Carvalho para o Blog da Resistência