O ambiente dentro da Otan é de cortar à faca
Acreditem que não exagero. No Quartel-General da Otan, em Bruxelas, o ambiente é de cortar à faca. Os políticos queixam-se dos militares e os generais estão com vontade de engolir vivos alguns políticos, com gravata e tudo, sendo Obama e John Kerry os primeiros da fila.
Por José Goulão, no Mundo Cão
Publicado 22/05/2015 16:18
Lá para as bandas de Moscou, caso saiba deste estado de espírito, e podem crer que sabe, quem dá gargalhadas sonoras é Vladimir Putin. A seriedade e o respeito histórico com que assinalou o 70º aniversário da rendição da Alemanha nazi devolveram-lhe trunfos internacionais com uma rapidez que talvez o surpreenda: a mesquinhez, a mistificação da realidade histórica e o culto da própria insanidade que guiaram os dirigentes norte-americanos e da Europa Ocidental nestes dias funcionaram como tiros nos pés de tal maneira eficazes que Putin e os que com ele estiveram assinalando o Dia da Vitória nada mais tiveram que fazer do que ser fiéis ao espírito da data.
No Quartel-General da Otan, em Bruxelas, generais e muitos diplomatas não se conformam com as “reviravoltas” de Obama. “Obrigou-nos a fazer de conta que a Europa Ocidental teria derrotado Hitler mesmo que o Exército Vermelho não tivesse dado cabo da Wermacht, sabendo nós que isso é uma impossibilidade e uma falsificação da história, e logo a seguir, manda Kerry pedir a Putin que colabore o mais depressa possível numa solução pacífica para a Ucrânia, como se não tivéssemos andado nos últimos 14 meses a alimentar grupelhos nazis na Ucrânia servindo de iscas para colocarmos a Otan em peso nas fronteiras da Rússia”, afirma um general, off the record, como compreenderão e num vernáculo que aqui se atenua um pouco. “Isto não é política, isto não é uma estratégia, é uma deriva”.
O que mudou nesse Dia da Vitória e que fez Obama mandar o seu secretário de Estado mendigar a Putin que o recebesse? Entre os generais que se cruzam em Bruxelas correm comentários pouco abonatórios para com o presidente dos Estados Unidos, à mistura com dichotes que soam a piadas de caserna.
“Obama acobardou-se com o desfile na Praça Vermelha”, garante o mesmo general. “E não é apenas porque ao lado de Putin esteve o presidente chinês enquanto à frente deles desfilavam armas que são para levar muito a sério”, acrescenta. “O fato de aquele desfile ter demonstrado a possibilidade de se juntarem militarmente os países mais extensos e populosos do mundo como são a China, a Índia e a Rússia assustou Obama”, disse o general, “fê-lo sentir a urgência de apostar tudo na sua estratégia de pivot asiático”.
Para isso é preciso dar parcialmente o dito por não dito na Ucrânia, envolvendo Putin na estabilização do país – isto é, passando a parceiro ocasional em vez de adversário a abater; e de tirar o mais depressa possível o proveito desejado do acordo com o Irã, a entrar em vigor em 30 de junho, de modo que grande parte do esforço militar norte-americano no Oriente Médio seja transposto para o Extremo Oriente.
O que provoca o mal-estar nas cúpulas da Otan não é tanto a correção de rota que Obama e o Pentágono tentam fazer, mas sim a confirmação da advertência que muitos militares europeus fizeram em tempo útil de que o golpe e as medidas tomadas na Ucrânia estavam erradas de uma ponta à outra. Sendo que agora é muito mais difícil corrigir o erro, mesmo que haja vontade disso – o que não está ainda absolutamente garantido. “Soltaram-se os cães selvagens quando teria sido muito mais ajuizado não os ressuscitar”, diz em pleno Quartel-General da Otan.