A visita de Li Keqiang e as novas oportunidades de desenvolvimento
O primeiro-ministro da China, Li Keqiang, chegou ao Brasil na segunda feira (18) para uma visita oficial com o governo brasileiro. Sua estada no Brasil marca o início de uma caminhada mais longa pela América do Sul, que se estenderá também pela Colômbia, Peru e Chile.
Por José Medeiros da Silva* e Rafael Gonçalves de Lima*, da China
Publicado 21/05/2015 08:37
Essa visita, se entendida dentro de uma perspectiva estratégica mais ampla, nos coloca diante de novas oportunidades para o desenvolvimento da região, especialmente para o Brasil. Obviamente, isso exige que esses países potencializem esses investimentos para fortalecerem os seus projetos de desenvolvimento, evitando a substituição de uma dependência por outra.
A visita de Li Keqiang é o quarto grande acontecimento diplomático da China em relação à América Latina, depois que a nova geração de dirigentes chineses assumiu o comando do país no 18º Congresso do Partido Comunista da China, realizado no final de 2012. Como se sabe, ainda nos primeiros meses do seu mandato, entre o final de maio e o início de junho de 2013, o presidente Xi Jinping visitou Trindade e Tobago, Costa Rica e México, em uma viagem que depois se estendeu pelos EUA. Em 2014, entre os dias 15 e 23 de julho, foi a vez do presidente chinês visitar o Brasil, Argentina, Venezuela e Cuba. Não menos importante foi a 1ª Reunião Ministerial do Foro Celac-China, realizada em Pequim entre os dias 8 e 9 de janeiro deste ano.
Na abertura desse evento com a Celac, que reuniu representantes dos 33 Estados-membros da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, o presidente Xi Jinping foi enfático sobre a construção de “um novo capítulo da associação de cooperação integral entre a China, América Latina e o Caribe”. Na ocasião, ele afirmou ainda que a China pretende investir US$ 250 bilhões na América Latina e o Caribe na próxima década, sendo que esse valor poderá chegar a US$ 500 bilhões, dependendo do avanço das negociações entre as duas regiões.
No Brasil, Li Keqiang e a presidente Dilma assinaram 35 acordos de parcerias de comércio e investimentos produtivos nos setores financeiros, automotivo, telecomunicações, energia, siderurgia, indústria de alimentos, mineração, gás e petróleo. Destacam-se a assinatura do protocolo sanitário que permitirá a retomada das exportações de carne bovina pelo Brasil para a China, o lançamento da pedra fundamental das linhas de transmissão ultra-alta da usina de Belo Monte, a assinatura do ato que viabilizará a criação do corredor transoceânico que ligará os oceanos Atlântico e Pacífico, a venda de 22 jatos da Embraer para a Tianjin Airlines e a atuação da Caixa Econômica Federal como estruturadora e gestora dos recursos financeiros fornecidos pelo banco estatal chinês ICBC. Os acordos entre os dois países totalizam US$ 53 bilhões.
Dito de outro modo, do lado chinês, a passagem de Li Keqiang ao Brasil, e ao nosso entorno regional mais imediato, está inserida dentro da Grande Estratégia da China, já desenhada e decidida pelos seus líderes. Isso sinaliza que, dentro de uma nova estruturação do poder global, a América Latina é vista como uma área vital para os interesses chineses de longo prazo, seja por possuir um mercado interno atrativo, seja pela sua capacidade de fornecer energia, minerais, alimentos e outros recursos, fundamentais para o êxito do desenvolvimento chinês.
Ainda sobre a visita do premiê chinês ao Brasil, merece destaque o seu artigo publicado no jornal brasileiro Valor Econômico no dia de sua chegada, em 18 de maio. “Com a minha visita espero consolidar ainda mais a tradição da amizade sino-brasileira, promover a cooperação de benefício recíproco e ganho compartilhado, e estimular o intercâmbio e aprendizagem mútua entre a China e a América Latina”.
Em suas reflexões, o premiê chinês amplia ainda os horizontes sobre as relações entre a China e o Brasil, indo além dos 40 anos do estabelecimento das relações institucionais entre os dois Estados: “A China e o Brasil, os maiores países em desenvolvimento respectivamente nos hemisférios leste e oeste, e ambos importantes economias emergentes, além de ter mais de 200 anos de relacionamento amistoso, possuem crescentes interesses comuns e brilhantes perspectivas de cooperação. Sem conflitos fundamentais, os dois países respeitam-se mutuamente na escolha autônoma do caminho de desenvolvimento, e apoiam-se um a outro nos temas de grande interesse relativo”. Aliás, essa tese de que as relações entre China e Brasil já existem há mais de 200 anos tem sido defendida desde algum tempo pelo jornalista Carlos Tavares (Lembremos que o referido jornalista foi cuidadosamente citado por Xi Jinping em seu discurso no Congresso Nacional brasileiro), conforme exposição em um seminário em que tivemos a oportunidade de participar em 2013, organizado em Pequim pela Universidade de Economia e Negócios Internacionais (UIBE) e pelo Instituto Brasileiro de Estudos de China e Ásia-Pacífico (Ibecap), dirigido pelo professor Severino Cabral.
Finalizando essas reflexões, enfatizaríamos ainda que, em termos geoestratégicos, essa movimentação chinesa na América Latina também abre fendas significativas em uma das bases principais que alicerçam a sustentação de um poder global unipolar, sob a liderança dos EUA. Como se sabe, não é novidade que a busca da multipolaridade é uma das bandeiras diplomáticas da China na arena internacional. Nesse aspecto, a aproximação chinesa do nosso continente também pode convergir com os nossos interesses geoestratégicos. Cabe ao Brasil e aos países da América Latina e Caribe aproveitarem essas oportunidades para seguirem de forma ativa com os seus próprios passos e, juntos com a China e outros países, buscar pontos de convergências que façam avançar um tipo de desenvolvimento que traga benefícios para esses países, seus povos e a humanidade como um todo.