A terceirização e a pergunta sem resposta de uma colunista da Folha
Um artigo revelador foi publicado nesta quinta-feira (21), no jornal Folha de S. Paulo, pela economista Monica Baumgarten, que escreve semanalmente no caderno “mercado” do jornal paulista. Com o título “A confusão da terceirização”, a colunista, “doutora pela London School of Economics e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics” (segundo os créditos da coluna) deixa claro qual é o norte da bússola que orienta a maior parte da crítica econômica brasileira.
Publicado 21/05/2015 22:03
O “olho” é uma expressão jornalística que designa um trecho em destaque de uma coluna, de um artigo ou de uma entrevista, e geralmente é usado para sinalizar ao leitor sobre a essência do que foi escrito, para além do título. No caso do artigo da Monica, o “olho” foi muito bem escolhido: “A realidade do mercado de trabalho brasileiro mudou; a choradeira dos sindicatos é irrelevante”. De fato, baseando-se em um relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a autora defende que não existe futuro fora da terceirização: “Empregos estáveis e de tempo integral haverão de ceder cada vez mais espaço para os empregos em tempo parcial, para o autoemprego ou outros arranjos compatíveis com as necessidades do século 21 (…) só um em quatro trabalhadores no mundo desfruta, hoje, de emprego estável”. Para a colunista da Folha, a terceirização “reflete a expansão galopante das cadeias globais de valor, a rede de empresas que caracteriza a produção moderna”.
Colunista da Folha: Conformem-se com a terceirização!
Mônica admite que o relatório da OIT não tece loas à terceirização: “Ele (o relatório) expõe os riscos associados às novas relações trabalhistas, como a falta de redes de segurança social e as maiores incertezas em relação à renda do trabalho e aos benefícios do trabalhador, entre outros fatores”. Mesmo quanto ao papel da terceirização para o crescimento econômico, o relatório da OIT não é otimista: “relações mais frágeis entre trabalhador e empregador enfraquecem a demanda agregada global, possivelmente afetando as perspectivas para o crescimento, além de contribuir para o aumento da desigualdade de renda”. Ainda assim, Monica afirma que “De nada adianta brigar com a nova realidade. Entra o PL 4.330. A realidade do mercado de trabalho brasileiro mudou. Portanto a choradeira dos sindicatos é irrelevante”.
Terceirização – A colunista da Folha é boazinha
Neste ponto, ouço os trabalhadores perguntarem, angustiados: mas temos que aceitar a terceirização apesar de todos os pontos negativos por quê? Ora, responde a doutora: porque “as novas relações de trabalho aumentam a competitividade e a produtividade das empresas”, ou seja, fundamentalmente, aumentam o lucro dos empresários. Está respondida a questão. Mas não se apressem em julgar a colunista da Folha como uma pessoa insensível às questões sociais. Não senhor. Vejam como ela termina sua coluna: “Contudo, o aumento da competitividade e da produtividade tem de beneficiar o trabalhador. Como? É essa a única pergunta que realmente interessa”. Realmente, a Monica é muito boazinha. Ela escreve um artigo onde diz que a terceirização virá de qualquer maneira, aconselha todos a aceitá-la, nos garante que as empresas irão lucrar mais com ela (coisa que até o meu sobrinho, Mário Henrique, de seis anos, sabe) e deixa como única questão a ser respondida mais adiante – se resposta houver – a que trata de qual será o benefício do trabalhador em um projeto que fragiliza a relação trabalhista e aumenta a desigualdade de renda.
Terceirização – A colunista da Folha tem um plano
Justo esta pergunta, que a senhora mesmo considera fundamental, fica sem resposta, doutora? Raciocinemos. Se em uma reunião com outras nove pessoas, um indivíduo apresenta um plano, pensando em todos os detalhes, mesmo os mais minuciosos, e depois abre a palavra para o grupo e um dos nove diz: “Mas neste plano que você apresentou, com riqueza de detalhes, o único beneficiado é você em detrimento dos interesses de todos os outros nove”. Vamos supor ainda que o indivíduo que elaborou o plano retrucasse: “Realmente, o plano só beneficia a mim. Mas entendam, EU preciso ser beneficiado e não adianta brigar com esta realidade. Concordo que vocês, que irão colocar o plano em ação, também deveriam ganhar alguma coisa. É de fato uma questão em aberto. Mas sobre isto eu não posso oferecer nenhuma garantia, mas acreditem, esta é a única questão que realmente interessa. Agora, enquanto este detalhe não é resolvido, mãos à obra no meu plano”.
Terceirização – A colunista da Folha tem um Deus
É mais ou menos esta a “lógica” da argumentação da doutora. A terceirização é boa para as empresas e, se não é boa para os trabalhadores, “a choradeira é irrelevante”. Pois de “nada adianta brigar com a nova realidade”. Afinal “só um em quatro trabalhadores no mundo desfruta, hoje, de emprego estável”. Argumento fantástico. Imagino a doutora Baumgarten escrevendo, por exemplo, na época em que o proletariado, no início do século 20, saía às ruas para lutar pela jornada de trabalho de oito horas diárias: “Só um em cada dez trabalhadores no mundo têm jornada menor do que doze horas diárias. Jornada de trabalho de doze horas é a necessidade do século XX. A choradeira é irrelevante”. A frase com a qual Monica Baumgarten terminou o artigo, me perdoem a franqueza, é uma hipocrisia, não quer dizer nada, pois o que fica de suas “reflexões” é uma pretensa inevitabilidade da injustiça, como se o “mercado” fosse um deus todo poderoso e os trabalhadores os cordeiros sacrificados no altar.
Terceirização – A escola que formou a colunista da Folha
Esquece a colunista que ninguém sai cotidianamente para o trabalho pensando: “Que felicidade, eu sou um pequeno elo das cadeias globais de valor e hoje será mais um lindo dia em que vou contribuir para aumentar os lucros dos meus patrões. Quem sabe eles não conseguem comprar um iate maior?”. Não, doutora Monica. Uma pessoa sai para trabalhar porque almeja uma vida digna, um ambiente de trabalho decente, um salário que lhe permita um mínimo de tranquilidade para amar, ser feliz e se, por motivos inerentes à existência, tiver que sofrer, que não seja por consequência da miséria. Uma pessoa, qualquer pessoa, tem necessidade de acesso ao lazer e à cultura e não apenas os donos do “mercado” e seus gerentes mais abonados. Um ser humano pode até aceitar, mas ninguém quer de verdade se submeter a uma constante e doentia instabilidade no emprego, ou à salários aviltantes, apenas porque economistas convenientes e empresários acham que isso “caracteriza a produção moderna”. Nas importantes escolas de economia onde a colunista da Folha S. Paulo estudou faltou ensinarem esta pequena lição: o povo existe. Ou vai ver que ensinaram e ela faltou à aula no dia. Ou ensinaram e ela não entendeu. Ou ensinaram, mas ela só lê outros autores. Ou ensinaram, ela lê tudo que é relevante, mas, enfim, ela é assim mesmo. Se for possível, fico com um pouco de cada uma das opções.