Movimentos contestam reforma política que Câmara tenta emplacar
O fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais seria um caminho necessário para combater a corrupção na política, segundo as organizações sociais que se dedicam construir uma proposta de reforma política que fortaleça a democracia. Mas, em vez disso, a Comissão Especial de Reforma Política tende a constitucionalizar o dinheiro das empresas nas campanhas, segundo o parecer apresentado na semana passada na Câmara pelo relator, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI).
Publicado 18/05/2015 16:33
Para o presidente da CUT, Vagner Freitas, acabar com esse tipo de financiamento é uma das condições para que uma proposta de reforma política surta efeitos. “Lamentavelmente, entre os eleitos em qualquer esfera, tanto do parlamento quanto do Executivo, predominam os que se elegem por conta dessa necessidade de as campanhas serem caríssimas, e se elegem com recursos vindos dos empresários”, observa.
A central, entre mais de cem entidades de trabalhadores e movimentos sociais, apoia o projeto criado pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, que tem como pontos centrais o fim do financiamento empresarial de campanhas, a paridade de gênero nos cargos legislativos e o sistema eleitoral em lista pré-ordenada, que permite eleições proporcionais em dois turnos, valorizando propostas e partidos.
Na quarta-feira (20), a Coalizão realiza uma caminhada até a Câmara dos Deputados, para marcar repúdio à corrupção e ao parecer de Castro, que além de constitucionalizar o financiamento, pretende adotar o sistema eleitoral do 'distritão' para os cargos legislativos, o que focaria as eleições apenas nos candidatos majoritários, eliminando a importância dos partidos, sem voto de legenda e sem coligações. A concentração para a caminhada ocorrerá às 9 horas, em frente à Catedral de Brasília.
As forças progressistas esperam que a manifestação fique conhecida como Dia Nacional de Mobilização pela Reforma Política Democrática. Ao fim da caminhada, os manifestantes devem entregar aos parlamentares assinaturas de apoio a um projeto de lei de iniciativa popular, que institui a reforma de caráter democrático.
Desejo de influenciar o STF
Segundo Cezar Britto, presidente da Comissão de Reforma Política do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na verdade, os deputados querem constitucionalizar o financiamento de campanha por empresas para influenciar o Supremo Tribunal Federal (STF), onde a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, da OAB, questiona esse tipo de recurso. A ação tem votos favoráveis de seis do 11 ministros do STF, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista e o processo está parado há mais de um ano. "Dizendo que a Constituição não abrange o financiamento privado, eles querem colocar isso no corpo da Constituição, e aí vão pedir a perda do objeto da ação do Supremo", afirma Britto.
O dinheiro das empresas, argumenta Britto, "tem uma relação direta com a corrupção, com as obras mal-feitas, com a transformação de investimentos em ferramenta eleitoral. Na verdade, é isso que eles querem manter". Britto também diz que os dados de despesas em campanhas mostram "uma relação direta entre o gasto e a eleição; quem mais gasta é quem é mais eleito".
Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, de autoria de Ana Luiza Backes e Luiz Henrique Vogel, mostra que em 2002 os candidatos ao Legislativo federal gastaram R$ 189,6 milhões, valor que em 2010 chegou a R$ 908,2 milhões, alta de 479%.
Em 2010, segundo o mesmo estudo, 75% dos recursos de campanha tiveram origem nas doações de empresas. Outro dado que mostra o poder crescente das doações de empresas em campanhas é que cada eleito em 2010 gastou cerca de 12 vezes mais do que aqueles não se elegeram.
O resultado desse predomínio do poder econômico é que a representatividade do Congresso fica prejudicada, concorda o presidente da CUT. “Os eleitos ficam quatro anos para pagar o financiamento, digamos assim, e como não conseguem, acabam refinanciando (suas dívidas) para ficar mais quatro anos se eleitos e isso vai fazendo com que não exista uma característica de um mandato para a sociedade, e prejudica o fortalecimento das questões das políticas públicas, sociais e de atendimento ao eleitor”, afirma Freitas, para quem os políticos se reportam aos seus financiadores e não aos eleitores. “E isso gera corrupção, pois acabam tendo de arrumar benesses para aqueles que foram seus financiadores; isso sem dúvida contribui demais para a corrupção na forma de fazer política, que sem dúvida é tradicional no Brasil há muito tempo.”
Debate com a sociedade
Para o sindicalista, o debate sobre reforma política e os instrumentos para combater a corrupção só vêm acontecendo atualmente porque “agora aparecem os casos de um governo que apura, e não joga para debaixo do tapete. Se você levantar os tapetes de outras administrações, anteriores à presidenta Dilma e ao presidente Lula, você vai ver que eles estão apodrecidos, há vários casos de corrupção que não foram apurados, e que foram muito nocivos à população brasileira, mas, enfim, toda a corrupção é nociva fundamentalmente ao trabalhador”. Freitas considera que “quem realmente quer fazer um discurso sério de combate à corrupção e não apenas briga partidária, ou panfletária, deveria apoiar a proposta de fim do financiamento empresarial de campanha”.
Os debates sobre a reforma política, e de quebra o financiamento empresarial de campanha, devem se acirrar nos próximos dias, graças à intenção do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de colocar a proposta em votação ainda neste mês. Nesta terça (19), a Comissão Especial retoma o debate sobre o parecer de Castro.
“Não tenho dúvida nenhuma que a questão de não permitir o financiamento empresarial de campanha daria ao Brasil uma condição de igualdade, de oportunidades, de fortalecimento de propostas, em vez de fortalecimento de carreiras solos e indivíduos, como acontece hoje”, avalia Freitas, que acredita também que seria necessário o fortalecimento de partidos políticos no novo sistema. “Eu acho essencial para a democracia, na oposição ao individualismo, seria importantíssimo para qualificar a escolha de representantes e não vejo como os conservadores, que são os principais interessados hoje e beneficiados pelo financiamento empresarial, poderiam concordar com isso”, diz Freitas.
Para o presidente da CUT, a melhor estratégia para buscar o apoio da sociedade para o fim do financiamento empresarial de campanha é o diálogo. “Eu acho que é preciso dialogar com os jovens, é um setor que sem dúvida nenhuma é muito mais afeito ao nosso discurso, com as mulheres, os movimentos sociais organizados, com os trabalhadores, que são os setores mais discriminados da sociedade. Os mais abastados, que estão no status quo, vão querer manter as suas posições”, afirma.