Nakba: 67 anos de luto e de luta na contínua tragédia palestina
Os palestinos marcam nesta sexta-feira (15) o 67º aniversário da Nakba, a “Catástrofe”, para que não se esqueça: sua tragédia é contínua, corrente e persistente. A ocupação israelense dos territórios palestinos expande-se, as alianças que a sustentam têm raízes profundas e uma história de expulsão e massacres impõe-se. Ainda assim, este é, acima de tudo, mais um dia de resistência e afirmação da luta palestina pela libertação.
Por Moara Crivelente*, para o Portal Vermelho
Publicado 15/05/2015 12:57
Em artigo recente para a revista Horizons, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) Mahmoud Abbas reafirmou: “A fórmula de dois Estados está sob grave ameaça devido às sistemáticas políticas e práticas israelenses”. Ele refere-se principalmente à expansão contínua da ocupação por Israel, fragmentando os territórios palestinos em “bantustões”, uma analogia com a prática do apartheid na África do Sul, que confinava a população negra em pequenos territórios quase desconectados entre si.
A denúncia dos palestinos ganha força à medida que os governos israelenses expõem com cada vez mais abertura sua visão racista e a intenção de impedir o estabelecimento do Estado da Palestina. As evidências acumulam-se na persistência da expulsão e dos massacres, da segregação e da desenfreada construção de colônias israelenses nos territórios palestinos ocupados – já são mais de 400, com cerca de 600 mil israelenses que as habitam, protegidos por milhares de soldados que controlam o cotidiano dos palestinos para a “segurança” dos israelenses. Daí a afirmação inicial: a Nakba é contínua e a sua memória é uma denúncia contundente.
Mantendo a tradição, o dia de protestos já começou com 15 palestinos detidos durante a madrugada, inclusive quatro adolescentes, de acordo com a agência palestina de notícias Wafa. Soldados israelenses instalaram-se em telhados para "vigilância", num dia que costuma trazer embates e brutal repressão. Bombas de gás lacrimogênio sufocam os residentes, algo simbólico do sufocamento causado pela ocupação. Como não podia deixar de ser, o Ministério do Interior também anunciou uma licitação para a construção de 85 novas casas na colônia Giv'at Ze'ev, ao norte de Jerusalém. São estratégicas a disseminação das colônias e a construção do muro de 800 quilômetros, com oito a doze metros de altura, considerado ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça ainda em 2004. Um dos cálculos está no acesso aos recursos aquíferos do território:
Despojo e ocupação permanente
É sempre preciso contar a história: o projeto colonialista britânico e francês viu seu aliado perfeito no sionismo – uma empreitada disfarçada de religiosa. Em acerto com grandes banqueiros europeus, o ideal de Theodor Herzl avançava com o Primeiro Congresso Sionista (1897) e seu Programa de Basel, resumidos pela frase: “O objetivo do sionismo é criar um lar para o povo judeu na Eretz Israel, assegurado por lei”. A estratégia de criação deste “lar”, uma vez que seu destino final, a Palestina, não era uma “terra sem povo”, como propagandeava o sionismo, foi a limpeza étnica dos árabes palestinos. Inúmeros documentos da época a confirmam. Com a partilha colonialista da região entre Reino Unido e França, em 1917, o plano começa a ser implementado.
Mas não é até 1948, com a concretização do Estado de Israel, que a dimensão destes objetivos se delineia. No ano anterior, a Resolução 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas sugeria um “Plano de Partilha" da Palestina entre dois Estados para dois povos. Os palestinos enfatizam que o povo judeu – minoria na região antes do impulso migratório do projeto colonial-sionista – sempre viveu ali com seus vizinhos. Relatos sobre as batalhas incluem judeus que se recusaram a lutar pelo “ideal sionista” massacrando os árabes e, ao contrário, a eles se uniram na frente de combate. Mesmo assim, a tragédia foi disseminada.
Documentos oficiais estimam que no processo de criação do Estado de Israel, cerca de 500 vilas palestinas foram devastadas, 15 mil palestinos foram massacrados e cerca de 800 mil, quase metade da população da época, foram expulsos, tornando-se refugiados – um grupo estimado hoje em cinco milhões de pessoas fora das suas terras ancestrais, no exílio, número quase equivalente à população que resiste nos territórios palestinos ocupados.
Por isso, seu direito de retorno é o mote do Dia da Nakba, simbolizado pelas chaves ainda guardadas pelos que foram expulsos de suas casas e vilas, muitas delas destruídas ou “israelizadas”, “judaizadas”. No contexto regional atual, sua tragédia é agudizada: em campos como o de Yarmouk, na Síria, 18 mil palestinos ainda estão em estado de sítio, ameaçados pelo avanço do autointitulado “Estado Islâmico”. “Para saber como estamos em Yarmouk, corte sua eletricidade, sua água, seu aquecimento, coma uma vez por dia e viva no escuro ou com fogueiras,” diz Anas, um residente do campo citado pela Agência das Nações Unidas para Assistência e Trabalhos para Refugiados Palestinos (UNRWA), que iniciou suas operações ainda em 1950.
Luta contínua e o compromisso do mundo
O importante trabalho da UNRWA está distante do que é necessário devido à escassez de financiamento internacional e, como é o caso da Faixa de Gaza, à continuidade da emergência humanitária. Nos últimos cinco anos, três grandes operações militares de Israel devastaram o território, que está completamente bloqueado desde 2007. Na última, em 2014, mais de 10 mil lares foram destruídos, 2.200 pessoas foram massacradas – quase 600 eram crianças – e a infraestrutura civil deliberadamente destruída, como inclusive relatos de soldados israelenses indicaram. Hospitais e escolas da UNRWA servindo também de abrigo foram atingidos, o que constitui um entre tantos crimes de guerra.
“Em meus 23 anos de idade, eu nunca tinha visto em Gaza pessoas vivendo nas ruas, sem proteção contra o frio ou as chuvas, e muitas mais acabaram morrendo no inverno”, disse Hassan Rabee, de Khan Younis, sul da Faixa de Gaza, mas que está no Brasil. “Além disso, há pessoas doentes em Gaza que morrem por causa do bloqueio que não as permite viajar para buscar tratamento,” completou, em conversa com o Vermelho.
A “catástrofe” contínua do povo palestino é estar sujeito às políticas de um regime cada vez mais embrutecido em sua intenção de impedir a autodeterminação do povo palestino e o estabelecimento do seu Estado livre e independente. Em declarações sobre o recém-formado governo israelense, com expoentes do racismo e da colonização na linha de frente, o chefe da equipe diplomática palestina Saeb Erekat disse: “Parabéns, Israel, seu novo governo garantiu que a paz não está na agenda (…). Já passou da hora de a comunidade internacional enfrentar a realidade e responsabilizar Israel pelos crimes e violações contra o nosso povo.”
Nem mesmo a peça intitulada “processo de paz”, mediado pelo aliado de Israel na promoção da guerra contra o povo palestino e outros vizinhos árabes – os Estados Unidos – parece dar conta de esconder que o fim da ocupação não é o objetivo. A impunidade garantida à liderança israelense responsável por tantas décadas de massacre é um dos pilares na manutenção e expansão deste sistema, mas a possibilidade de mudança se avista. É preciso agora que o mundo se mova pela libertação da Palestina. A data, 15 de maio, continua sendo de luto e de luta.
*Cientista política e jornalista, membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando o Conselho Mundial da Paz.