Salvador, quase 500 anos: Crônicas e calendários anunciados
O atual prefeito, ACM Neto, e seu ex-secretario de "Cultura, turismo e desenvolvimento", Bellintani, estão muito preocupados com um calendário de festas eventos para atrair turismo e – segundo uma concepção limitadíssima de cultura – estimular a cultura (e o lazer) na cidade.
Por Javier Alfaya*
Publicado 28/04/2015 14:30
Quem conhece ou vive em Salvador sabe que temos um calendário de chuvas mais ou menos fixo, como em qualquer ponto do planeta. Muda a intensidade e algumas vezes a duração, mas sabe-se das chuvas, dos ventos, das secas, etc, aliás, cada vez mais.
O terremoto no Nepal por exemplo, tinha sido comunicado às autoridades nepalesas por técnicos em sismografia da França há algum tempo. Evidente que boa parte dos chamados erradamente de desastres naturais são razoavelmente conhecidos e crescentemente mapeados e registrados para efeito de prevenção e outras medidas no terreno da produção econômica, como exemplo.
Não há desastres da natureza. A natureza é o que é, assim tal qual foi se transformando. Há mudanças a partir da intervenção humana, correto, mas as grandes dinâmicas têm força própria e respondem às suas leis. Desastre é não saber lidar com elas, seja por ignorância (desconhecimento técnico) seja pela ignorância da busca desmedida do lucro ou da irresponsabilidade política administrativa .
Nada evita o episódio natural, mas as medidas imediatas e as estratégicas podem e devem ser tomadas a partir das informações que a ciência nos fornece. Essas dependem de decisões, prioridades e claro recursos financeiros , técnicos e capacitação profissional.
No caso de nossa cidade há vários estudos sérios feitos pela própriap refeitura e um deles pela Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), redundando num plano diretor de encostas. Na área da habitação, há um Plano Municipal feito pela equipe chefiada pelas arquitetas Angela Gordilho e Teresa do Espírito Santo.
Porque a prefeitura não lança mão desses recursos intelectuais do melhor nível, feitos com honestidade e empenho profissionais? Há mais exemplos, são apenas dois.
A administração prefere o caminho do impacto fácil, de buscar sucesso a partir do gosto médio e senso comum, implementa um plano de ação calcado numa visão elitista da cidade , tomando medidas administrativas e legislativas a partir de uma ótica unilateral de alguns setores do mercado imobiliário .
A intervenção na Barra (ponto importante da cidade como área de lazer e referência simbólica ) não deve ser criticada por si só, acho um erro, embora as soluções de seu desenho, equipamentos e iluminação sejam passiveis de críticas, para não falar da propaganda/roda gigante da Coca-Cola ao lado de um monumento histórico como o Forte e seu famoso farol. Considero que deve ser criticada a falta de uma lista de intervenções urbanísticas, bem clara e explícita, com ordem de prioridades, para que a cidade possa opinar.
Depois das criticas à concentração de recursos na Barra o prefeito saiu correndo e fez melhorias na orla de Tubarão e São Tomé de Paripe, no subúrbio e periferia de Salvador. Paisagem lindíssima que a maioria daqui e de fora não conhece. Belo lugar, felizmente hoje ocupado por população trabalhadora que mora há mais de um século naquele trecho da cidade. Beleza e desamparo, beleza e falta de infraestrutura, beleza e carência extrema, juntos, lado a lado. Bairros de presença operária e trabalhadores em todo tipo de atividades.
Nalguns deles havia grande concentração de moradia do proletariado têxtil, por causa da presença de algumas industrias por lá, igualmente de metalúrgicos e bebidas em função de empresas assentadas por Itapagipe (cervejarias,cachaças e refrigerantes ) e outras do metal pelo Subúrbio Ferroviário, na BR 324, Centro Industrial de Aratu e Simões Filho, paragens onde se pode chegar usando a grande avenida que se chama "Suburbana ".
Outro problema que enfrentamos é a suposta participação da sociedade no processo de feitura de propostas para planos diretores e leis de uso do solo. Trata-se de mais uma representação do que processo efetivo de consulta e decisão, ou melhor base para futuras decisões no Conselho da Cidade (não funcionante ) e especialmente na principal instancia de deliberação quanto a esses assuntos, que é a Câmara Municipal e o poder executivo.
Antes de um calendário artificial e espichado de festas, Salvador, primeira capital do Brasil, precisa evitar o calendário de tragédias e prejuízos.
Os governos têm responsabilidade quanto aos investimentos (cada um com sua parcela ) mas é a Prefeitura Municipal a principal responsável pelo planejamento urbano, planos e cronogramas de obras estruturantes, além de serviços básicos para o bem viver.
Quando março chega, chegam as marés fortes e as chuvas. Assim vai, com mais ou menos intensidade, até julho ou agosto.
Estamos na luta por uma nova Salvador.
Uma cidade que faça justiça no terreno social, cultural e na qualidade de vida à sua força simbólica, sua historia de sofrimento e alegrias, seu patrimônio histórico, sua música e tradições.
Queremos uma cidade com investimentos na infraestrutura, sistema viário e no seu sistema produtivo. Tanto no que já há , como no que deveríamos buscar !!! (Onde está a industria naval de Salvador? já teve). Economia, assunto que merece outro texto.
Queremos uma cidade que supere e enorme contradição que é sua beleza versus sua desigualdade social e urbanística.
Não mais calendários nem crônicas de chuvas e mortes anunciadas. É possível mudar, vamos mudar.
*Javier Alfaya é ex-vereador pelo PCdoB em Salvador (BA).