Jornalismo da TV Globo desaba no Nepal
O jornalismo da TV Globo, representado em primeiro lugar pelo seu maior símbolo, o Jornal Nacional, protagonizou nesta segunda-feira (27) um contundente exemplo de tudo o que não se deve fazer em uma cobertura jornalística.
Publicado 28/04/2015 20:05
Katmandu, capital do Nepal, está em ruínas. Desde o terremoto do último sábado (25), que foi seguido por uma série de cem réplicas sísmicas, mais de 4 mil pessoas morreram e ainda não se calculou de forma confiável o número de feridos e desabrigados. A TV Globo, por coincidência, estava com oito profissionais (repórteres, editores, cinegrafista, produtores executivos) do programa Planeta Extremo, no centro da tragédia. Nesta segunda-feira (27), foi anunciada a entrada ao vivo no Jornal Nacional desta equipe, direto de Katmandu. Sem sair do pátio do hotel em que estavam hospedados, sem uma imagem externa, sem nenhum nepalês entrevistado, os repórteres Carol Barcellos e Clayton Conservani se auto entrevistaram e foram entrevistados durante alguns minutos por William Bonner e Renata Vasconcellos.
Tudo, menos jornalismo
Vale a pena assistir a esta aula de como não se deve fazer jornalismo. Bonner adota um tom paternalista ao se dirigir à dupla: "A gente sabe o que vocês estão passando”. Bonner também destaca que no dia anterior notou a “voz abalada do Clayton” que, prevenido, comprou 100 garrafas de água, apesar de no hotel em que está hospedada a equipe a água não ter faltado pois o repórter relata que, mesmo com o temor de novos abalos, tinha subido ao quarto naquela noite para dormir e tomar banho. Renata Vasconcelos faz uma pergunta absolutamente imprescindível: “Como vocês estão lidando com o medo de novos tremores”? Não estamos cobrando aqui um ilusório distanciamento do jornalista em relação aos fatos. O jornalista não deixa de direta ou indiretamente, afetar e ser afetado pelos fatos. O problema é quando o fato é relegado a um segundo plano e o jornalista assume a cena principal. Aí é álbum de família. É registro de excursão de amigos. Pode ser tudo, menos jornalismo.
Exemplo oposto
Nossa crítica, é bom ressaltar, não é direcionada diretamente à equipe – que, no entanto, não está totalmente isenta dela – mas principalmente à linha editorial do jornalismo da família Marinho, cada vez mais autorreferente e baluartista. Vamos a um exemplo oposto. Vejam esta famosa foto ao lado. Retrata, como se sabe, crianças vietnamitas fugindo em 1972 de um ataque de Napalm das tropas americanas durante a Guerra do Vietnã. Ao centro, a garota Kim Phuc corre nua, pois suas roupas pegaram fogo. Ela foi salva pelo autor da foto, Nick Ut que, segundo testemunhou anos depois a sobrevivente, a levou junto com outras crianças para um hospital e “assim que ele nos deixou lá, foi para uma sala escura revelar as fotos”. Neste caso o repórter registrou o fato, não adotou uma postura de distanciamento desumano e cumpriu seu dever profissional sem assumir a cena principal. Deixo ao leitor a tarefa de imaginar o que faria uma equipe da Globo nas mesmas circunstâncias.
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