Globo: grande inimiga da democracia e dos direitos sociais
O Diário Liberdade, portal de esquerda da Galícia e dos países lusófonos, publicou entrevista com o jornalista do Portal Vermelho, Wevergton Brito Lima, responsável pela coluna Notas Vermelhas, sobre os 50 anos de fundação da TV Globo.
Publicado 24/04/2015 16:00
Leia abaixo a íntegra:
Diário Liberdade: De onde vem todo esse poder financeiro e político da Rede Globo? Ela foi criada logo no começo da Ditadura Militar. Como ela se beneficiou do Golpe?
Wevergton Brito Lima: O jornal O Globo foi criado em 1925, mas o sistema Globo de comunicação só adquiriu o poder que ostenta atualmente a partir do golpe militar em 1º de abril de 1964, que instaurou uma ditadura que durou 21 anos. Roberto Marinho, proprietário do grupo Globo e filho do fundador do jornal, Irineu Marinho, foi um dos principais articuladores políticos e ideológicos do golpe, o que está fartamente comprovado, inclusive por documentos recentemente liberados pelos EUA que mostram o proprietário da Globo em ativa combinação com a embaixada e o governo americano. O golpe jogou na clandestinidade a esquerda, prendeu, torturou barbaramente e matou ativistas pela democracia.
O papel de Roberto Marinho para o desencadeamento do golpe foi regiamente recompensado pela ditadura. A TV Globo foi fundada no dia 26 de abril de 1965, pouco mais de um ano depois do golpe. Incentivos públicos, isenções fiscais e uma imensa complacência com diversas ilegalidades e falcatruas gigantescas, fizeram com que a TV Globo se transformasse em uma potência da comunicação nacional. O grupo Globo pagou direitinho o preço do "contrato" com os militares: durante 21 anos defendeu, incentivou e acobertou a ditadura.
Por que a Globo tem tanta influência?
Fruto deste processo de favorecimento, a TV Globo se tornou a maior emissora do Brasil e uma das cinco maiores do mundo. Para se ter uma ideia do seu poderio, o sistema Globo de comunicação controla 105 emissoras de TV, 76 emissoras de rádio FM, 11 emissoras de rádio de ondas curtas, 52 emissoras de rádio de ondas médias, 4 emissoras de rádio de ondas tropicais, 9 emissoras de TV a cabo, 2 emissoras de TV por sinal (antena), 1 emissora de TV via satélite, 2 emissoras TVA (assinatura por sinais UHF), 17 canais TVA, 33 jornais, 27 revistas e uma Radcom (Serviço de Radiodifusão Comunitária), totalizando 340 veículos espalhados por todo o território nacional. Como exemplo do que isso significa, na cidade do Rio de Janeiro, uma das maiores do país, o sistema Globo é proprietário dos três maiores jornais (O Globo, Extra e Expresso), da maior TV aberta (TV Globo), do maior Sistema de Rádio (Rádio Globo, CBN, etc), e do principal portal de notícias na web (G1).
Tudo isso, ressalte-se mais uma vez, construído à custa do sangue de milhares de democratas e patriotas brasileiros que combateram a ditadura. Esta gigantesca capacidade de levar informação é usada para a luta política. Os três irmãos que herdaram a empresa de Roberto Marinho (falecido em agosto de 2003), João Roberto, José Roberto e Roberto Irineu Marinho, têm juntos uma fortuna de US$ 24,3 bilhões, segundo a revista Forbes, e poderosos interesses políticos e econômicos. O Globo usa sua estrutura para destruir qualquer um que se lhe interponha no caminho, e promover os que são úteis aos seus desígnios, sempre com os métodos da manipulação, da chantagem, da mentira e da fraude, buscando não só influenciar mas determinar os rumos dos acontecimentos. Por isso mesmo o grupo Globo vive inconformado por ter sido derrotado quatro vezes seguidas em eleições presidenciais. Visceralmente anticomunista, o sistema Globo combate qualquer forma de aprofundamento da democracia e defende uma política de submissão total ao imperialismo.
Como ela ainda mantém seus privilégios, mesmo durante o nosso período democrático e os governos do PT, que teoricamente são mais progressistas?
Sem dúvida os governos do PT são governos progressistas e por isso mesmo foram e são alvos de ataques diuturnos do Sistema Globo. Por outro lado, mesmo a maioria do PT reconhece que os governos Lula e Dilma fizeram muito pouco em relação à democratização dos meios de comunicação. Lula, em 2009, convocou e realizou a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Cofecom) que, de forma inédita no Brasil, reuniu movimentos sociais, trabalhadores, estudantes e empresários para discutir meios de democratizar a comunicação. O Sistema Globo recusou-se a participar, mas a Conferência foi muito representativa e tirou importantes propostas que, infelizmente, não saíram do papel. O ministro chefe da Secretaria de comunicação de Lula no segundo mandato, Franklin Martins, chegou a deixar pronto um bom projeto de regulação da mídia, que no entanto não foi levado adiante pela presidenta Dilma. O PT, e com ele toda a esquerda, pagam um alto preço por isso. O discurso monolítico da mídia hegemônica tem feito estragos importantes, sedimentando em significativas parcelas da população uma visão de mundo conservadora e, muitas vezes, francamente reacionária.
A Globo é beneficiada por "favorecimentos" fiscais?
Já foi mais. É famoso o caso do esquema que o sistema Globo armou para fraudar o fisco na compra dos direitos da Copa do Mundo de 2002. A TV Globo fez uma operação em um paraíso fiscal causando um prejuízo de mais de 1 bilhão de reais aos cofres públicos (se corrigido pela poupança o valor que a Globo sonegou alcança hoje 1,1 bilhão). A história foi revelada pelo jornalista Miguel do Rosário, um blogueiro progressista, em 2013. Pego com a boca na botija, o sistema Globo conseguiu que a funcionária da receita federal, Cristina Maris Meinick Ribeiro, sumisse com o processo! Com o escândalo denunciado pela blogosfera Cristina foi presa, condenada e perdeu o cargo público. Atualmente recorre em liberdade. O processo reapareceu e o sistema Globo, em uma confissão implícita do dolo, alega que já pagou a dívida, mas ninguém acredita, nem a receita, que não paralisou o processo. Se fosse no tempo da saudosa (para a Globo) ditadura, com certeza o assunto nem teria chegado ao conhecimento público. Contudo, o Globo tem uma influência enorme no aparato policial, judiciário, e político do país. Na verdade, apesar de ter sido retirado da presidência desde 2003, o consórcio oposicionista conservador, que tem em O Globo sua ponta de lança, na prática controla e conduz importantes parcelas do próprio aparelho estatal. O jornalista Miguel do Rosário, que revelou o escândalo da fraude contra o fisco, recentemente foi condenado a pagar R$ 30 mil de multa por ter chamado o diretor geral de jornalismo do sistema Globo, Ali Kamel, de "sacripanta e reacionário", coisa que, aliás, ele efetivamente é. Mesmo no caso da fraude contra o fisco, ninguém praticamente fala sobre o assunto. Por exemplo, quem subornou a funcionária da receita para sumir com o processo? Pergunta óbvia que simplesmente não é feita por quem de direito, até porquê todos sabem a resposta.
O que pode ser feito para acabar com a ditadura da Globo e democratizar a mídia brasileira?
A esquerda brasileira finalmente, depois de muitos anos, despertou definitivamente para a luta contra o monopólio midiático, que compõe um dos centros das pautas de reivindicações dos movimentos sindicais, estudantis e camponeses no Brasil, o que sem dúvida é um avanço. A constituição de 1988, feita logo depois da derrota da ditadura, é muito avançada no capítulo que trata da comunicação. Proíbe o monopólio ou oligopólio, exige que a comunicação cumpra também o papel de fortalecer a cultura e a cidadania, etc. Por pressão da Globo, até hoje, passados 27 anos, os capítulos da constituição que tratam do tema da comunicação sequer foram regulamentados. Ou seja, foram aprovados, mas não valem na prática já que precisam de regulamentação jurídica. Vejam alguns exemplos do que a constituição determina: O artigo 220 define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica; o artigo 221 define que a produção regional e independente deve ser estimulada; o artigo 223 define que o sistema de comunicação no país deve respeitar a complementaridade entre os setores de comunicação pública, privada e estatal; o artigo 54 determina que deputados e senadores não podem ser donos de concessionárias de serviço público (obs: inúmeros parlamentares conservadores controlam canais em seus estados, na maioria dos casos as retransmissoras da programação da Globo). Como se vê, regulamentar a constituição que já está em vigor seria um grande ponto de partida.
Infelizmente, apesar da reeleição da presidenta Dilma, o Congresso que saiu das urnas em 2014 é majoritariamente conservador. É importante ressaltar, entretanto, que a TV Globo, nos últimos 13 anos, perdeu quase 25% de sua audiência, um número enorme. Além disso, o movimento social e progressista brasileiro, com raríssimas e diminutas exceções, está unido em torno de que a reforma da mídia é prioritária e a Globo é a grande inimiga da democracia e dos direitos sociais. No próximo dia 26, quando a TV Globo comemora seus 50 anos de fundação, trabalhadores e estudantes estão preparando ações públicas para denunciar o monopólio midiático e exigir uma reforma da mídia que garante pluralidade e participação popular. O atual cenário político é de uma ofensiva da direita, mas o caminho da contraofensiva, como sempre, é o da luta e o da conscientização das massas.