Para entidades, Marco da Biodiversidade aprovado no Senado é avançado

O plenário do Senado deve concluir nesta terça-feira (14) a votação do projeto do Marco Legal da Biodiversidade, que trata do acesso e do uso do patrimônio genético brasileiro. Alguns destaques ainda precisam ser analisados, mas o texto-base da matéria, que foi aprovado na semana passada, trouxe alguns avanços importantes, avaliam diferentes setores ligados ao assunto.

Biodiversidade - Heberton Alves

Tanto entidades ligadas aos direitos das comunidades tradicionais – índios, quilombolas, agricultores familiares, ribeirinhos – quanto as ligadas à indústria concordam que a nova lei representa um marco na garantia de direitos e deveres, bem como no esclarecimento sobre os limites da pesquisa e do uso do material genético de plantas e animais.

“O texto-base do Senado representa um avanço gigantesco, tanto em relação ao texto da Câmara quanto em relação ao texto enviado ao Congresso pelo Executivo”, avalia André Galagnol, assessor jurídico da organização Terra de Direitos, que atuou nas negociações com o Congresso na defesa das comunidades que têm conhecimento histórico e cultural sobre o patrimônio genético.

Segundo ele, o primeiro avanço do projeto é o de tratar da repartição, com essas comunidades, do benefício do acesso ao patrimônio. Além disso, Galagnol comemora o fato de o texto definir os direitos das comunidades e os deveres das empresas, indústrias e de pesquisadores em relação a elas.

Um dos pontos pendentes de análise na votação desta terça-feira (14) diz respeito a esse tema. Um destaque pretende modificar a expressão “populações indígenas” para “povos indígenas”, no trecho que estabelece os que têm direito à repartição de benefícios. Para o assessor jurídico, a mudança no termo faz toda a diferença. “Usar 'populações indígenas' não é adequado em diversos aspectos, principalmente porque ignora a luta histórica dos povos indígenas para serem reconhecidos como diversos em sua história, cultura, língua e identidade. O termo populações já foi superado porque faz parecer que os índios são todos a mesma coisa”, explica.

No texto-base, o relator, senador Jorge Viana (PT-AC), já acolheu mudança semelhante em relação aos agricultores. No texto aprovado pela Câmara, eles eram chamados de “agricultores tradicionais”, o que foi modificado para “agricultores familiares”. “O termo agricultor tradicional não existe no nosso ordenamento jurídico. O que existe é agricultor familiar. Se fosse mantido do jeito anterior, seria mais difícil caracterizar esse sujeito de direito”, acrescenta Galagnol.

Ele também ressalta que o texto do Senado promoveu mudança relevante em relação às sementes crioulas – sementes que foram melhoradas geneticamente ao longo dos anos, da forma tradicional, pela seleção natural de quem as plantou. Segundo o assessor da Terra de Direitos, essas sementes são valiosas porque têm código genético muitas vezes diferente daquelas que são comercializadas, especialmente as transgênicas.
O texto enviado pela Câmara previa que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento deveria criar uma lista catalogando as sementes crioulas. No texto do Senado, essa atribuição deixa de ser obrigatória. “Assim, não caberá aos agricultores comprovar que suas sementes são crioulas, mas a quem eventualmente quiser questionar isso”, explica Galagnol.

Para a especialista da Gerência Executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Elisa Romano, o texto da Câmara já estava “redondo”, mas as mudanças pleiteadas por outros grupos no Senado são legítimas e mantêm o atendimento às demandas do setor.

“É um texto razoável, bom, que atende às demandas. É um texto implementável, uma lei que, dentro do processo de negociação possível, atende ao máximo”, avalia.

Segundo ela, o acesso ao patrimônio genético atualmente é regulado por uma medida provisória lacônica e burocrática, que não deixa claro o que pode ser feito e não inibe os atos irregulares, como a biopirataria. “O maior benefício da nova lei é trazer segurança jurídica. Todo mundo quer mais segurança para fazer pesquisa e investir”, explica.

De acordo com Elisa, as indústrias de fármacos e cosméticos são as mais afetadas pela nova lei, mas ela também interessa a outras indústrias, como a química e a agroindústria. Para a especialista da CNI, a mudança no marco regulatório não deve se refletir em um aumento imediato dos investimentos, mas deve trazer ganhos em pesquisa no futuro.

“Uma pesquisa feita pela CNI no ano passado com representantes de empresas, governantes e acadêmicos mostrou que aproximadamente 80% dos entrevistados dizem que a legislação atual produz insegurança e encarece a pesquisa. Então, o que se imagina, é que uma lei que desburocratiza o acesso e dá segurança jurídica vai facilitar os investimentos nessa área. A percepção é nesse sentido. Não é desburocratizar por desburocratizar, é trazer regras claras para que o Brasil possa desenvolver esse potencial na bioeconomia”, afirma.

Com as mudanças que já foram feitas no projeto, o texto precisará retornar para última análise dos deputados. Eles poderão rejeitar total ou parcialmente as alterações promovidos pelos senadores, mas o relator está confiante na manutenção do texto, mesmo com os destaques que ainda serão votados.

Fonte: Agência Brasil