Cuba-Estados Unidos: o complexo caminho do reconhecimento mútuo
Os passos dados desde o dia 17 de dezembro passado, a raiz das intervenções públicas dos presidentes Raúl Castro e Barack Obama, têm renovado o interesse em ambos povos a assumir um processo que ninguém espera simples e rápido, o da normalização total.
Publicado 09/04/2015 16:14
Em 3 de janeiro de 1961 – ano em que nasceu Obama – os Estados Unidos romperam unilateralmente suas relações com Cuba e, a partir de então, Washington começou a pressionar os demais países da região para que fizessem o mesmo.
Com a honrosa exceção do México, os governos do Hemisfério seguiram esse caminho e Cuba foi excluída, em 1962, da Organização de Estados Americanos, mas há vários anos os países latino-americanos restabeleceram suas plenas relações diplomáticas e amistosas com Havana.
Encarar pouco a pouco a solução do histórico diferendo bilateral pode levar tempo, porque suas origens remontam-se à época colonial; quiçá mais fácil seja romper a cortina de fumaça estendida sobre o arquipélago cubano, nas últimas décadas, com o fim de ocultá-lo praticamente do mapa americano.
A novidade foi bem recebida pelo povo cubano, pela ampla maioria dos cidadãos estadunidenses e a emigração cubana.
Dezenas de norte-americanos estão aproveitando a ainda limitada lista das categorias de cidadãos autorizados pelas atuais autoridades, que agora podem visitar este país, direito proibido hermeticamente durante meio século.
Do lado cubano existe a boa vontade de estabelecer uma relação civilizada, ainda que persista a desconfiança nas ruas em relação à sinceridade do poderoso vizinho, autor de agressões inqualificáveis e de um bloqueio econômico (de Kennedy a Obama), repudiado pela comunidade mundial.
A maior parte dos cubanos nasceram sob as penúrias do cerco econômico, imposto em 1962, o qual foi recrudescido na década de 90 pela Lei Torricelli e a Lei Helms-Burton.
Tão próximo geograficamente e, ao mesmo tempo, bem distante na prática de suas relações, Cuba e Estados Unidos permaneceram distanciados meio século pela aplicação de uma política estadunidense que o presidente Obama qualificou de enfoque antiquado, e anunciou sua disposição a mudanças significativas. No que diz respeito a Cuba, o presidente Raúl Castro reiterou ante a Assembleia Nacional a disposição para sustentar um diálogo respeitoso, em igualdade e sem comprometer a independência, a soberania e a autodeterminação nacional.
"Se realmente desejamos avançar nas relações bilaterais, teremos que aprender a respeitar mutuamente nossas diferenças e nos acostumar a conviver pacificamente com elas".
Dolorosas feridas
As diferentes administrações dos Estados Unidos, desde o governo republicano do general Dwight D. Eisenhower, patrocinaram ou toleraram as agressões de todo tipo contra o povo de Cuba e sua Revolução. Eisenhower revelou em suas memórias (Meus Anos na Casa Branca) ter ordenado à Agência Central de Inteligência (CIA), em 17 de março de 1960, começar a organizar o treinamento de cubanos contrarrevolucionários, principalmente na Guatemala.
A CIA iniciou em abril de 1961 a execução do denominado Plano Pluto, destinado – em primeiro lugar – a criar uma base de praia em solo cubano, depois de meses de preparação.
O plano da administração Eisenhower foi assumido e realizado pelo sucessor democrata, John F. Kennedy.
Em 25 de abril de 1961 a Casa Branca reconheceu sua responsabilidade na invasão pela Baía dos Porcos, em um comunicado: "O Presidente Kennedy, a partir de um princípio, manifestou que assume plena responsabilidade pelos fatos destes últimos dias".
A brigada 2506, de 1.550 homens recrutados pela CIA, foi treinada em Retalhuleu, Guatemala, e seus integrantes partiram de Puerto Cabeza, Nicarágua, enquanto a força aérea dispôs da base estadunidense de Oppalocka, na Flórida.
Foram derrotados em três dias (17 a 19 de abril); foram destruídos 12 aviões, dois navios de transporte e três embarcações; outro navio e três embarcações foram arruinadas; também foram apreendidos técnicas e armamentos de diferentes tipos.
As baixas dos agressores foram mais de 200 mortos e 1.197 prisioneiros; entre os combatentes das forças revolucionárias e a população civil houve 176 mortos e mais de 300 feridos, dos quais 50 ficaram incapacitados por toda a vida.
As ações terroristas (de 1959 a 1999) causaram a morte de 3 mil e 478 pessoas e violaram criminosamente a integridade física de mais de 2 mil.
A culpa da fruta que não caiu
Não é um segredo que, no século 19, qualquer expressão das repúblicas hispano-americanas favorável à liberdade e independência de Cuba teve a oposição estadunidense.
A velha aspiração de Thomas Jefferson (1743-1826), o terceiro presidente estadunidense (1801-1809), de apoderar-se de Cuba teve sua expressão ao longo do século, mas a rivalidade anglo-norte-americana permitiu à Espanha conservar seu domínio até que Londres assegurou aos EUA que não se oporia a suas ambições em relação ao enclave antilhano.
Teve várias tentativas de compra de Cuba, ou seja, adquiri-la por dinheiro, e de advertências sutis a Madri de que Washington continuava respeitando a soberania espanhola, mas em nenhum caso toleraria a passagem do Arquipélago Cubano a outro país.
O fatalismo geográfico era para Cuba seu único destino, segundo John Quincy Adams (1767-1848), o político estadunidense que expôs sua Teoria da fruta madura em relação a Cuba e elaborou a Doutrina Monroe, sintetizada na frase "América para os americanos".
Foi Secretário de Estado (1817-1825) e o sexto presidente dos Estados Unidos (1825-1829). Antes havia sido senador e posteriormente a seu mandato ocupou uma banca na Câmara de Representantes (1831-1848).
"…tem que gravitar necessariamente para a União Norte-americana, e para ela exclusivamente…, enquanto à União mesma, em virtude da própria lei, será impossível deixar de admiti-la em seu seio", advertiu Quincy Adams em 1823 a seu ministro em Madri, Hugh Nelson.
De acordo com estas ideias Washington declarou uma guerra relâmpago à Espanha em 1898, sem permissão dos cubanos para intervir na terceira de suas guerras independentistas; e cobrou como espólio as últimas posses do império colonial hispano.
A Cuba impôs três anos de ocupação militar e, mediante a Emenda Platt, uma lei do congresso estadunidense, nasceu a neocolônia submetida a posteriores intervenções e com uma base naval (a de Guantânamo), ainda em seu território.
Em primeiro de janeiro de 1959, com o triunfo da Revolução, foi arquivada na história a neocolônia e iniciada a transformação econômica e social do país.
Fonte: Prensa Latina