Operação Zelotes: um grande escândalo, uma pequena repercussão
A Operação Zelotes, que investiga suposto esquema de fraude para sonegação de impostos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), estima que o total envolvido pode chegar a R$ 19 bilhões.
Publicado 07/04/2015 10:23
Se confirmado, o valor desviado soma recursos suficientes para criar aproximadamente 18 mil leitos de hospitais ou beneficiar aproximadamente 34 milhões de habitantes com obras de saneamento.
Só para se ter uma ideia, recente projeto de construção de hospitais públicos no Rio Grande do Sul, somando mil leitos, totalizaria um investimento de R$ 110 milhões, valor que representa aproximadamente um décimo do dinheiro destinado a obras de saneamento para a mesma região que beneficiaria 16 cidades e uma população aproximada de 1,8 milhão de habitantes.
A comparação fica ainda mais grave quando se analisa a peculiaridade das supostas irregularidades: propinas seriam pagas para reduzir ou eliminar o pagamento de impostos. Impostos que servem justamente para oferecer para a população saúde, educação, transporte, saneamento…
As possíveis irregularidades que vieram à tona com a deflagração da Operação Zelotes podem lesar o cidadão brasileiro de uma maneira muito mais direta do que qualquer outro escândalo do leque de corrupções que o país tem colecionado. E o prejuízo abrange valores muito maiores do que outros escândalos como o mensalão e a Operação Lava Jato, embora não mereça por parte da grande mídia o mesmo destaque, e nem por parte da sociedade a mesma indignação.
Um bom exemplo é o visibilidade dada ao fato de a empresa de consultoria do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu ter recebido R$ 39 milhões em sete anos (entre 2006 e 2013). Pois na Operação Zelote, numa única operação o grupo Gerdau, do empresário Jorge Gerdau Johannpeter, teria pago R$ 50 milhões para aliviar uma condenação fiscal de R$ 4 bilhões. Quais dos casos se lê mais na mídia?
Como se não bastasse, há ainda outras características que chamam a atenção: as multinacionais supostamente envolvidas no escândalo do Carf, Ford, Santander, BankBoston, entre outras, fazem parte da investigação por terem supostamente pago propina para evitar pagar impostos.
Paralelamente, acionistas americanos estão entrando na Justiça contra a Petrobras, por prejuízos na bolsa devido ao escândalo na estatal. Agora, qual o prejuízo mais grave do ponto de vista da ética para empresas estrangeiras: um caso de corrupção que impacta nas ações de uma empresa na bolsa – uma operação sabidamente de risco – ou sonegar imposto deliberadamente, dinheiro que deveria ser usado diretamente para benefício da população?
Vale destacar que duas destas empresas são dos Estados Unidos, país que aplica tradicionalmente fortes punições aos sonegadores, como multas milionárias e até prisões. Um notório exemplo é de Al Capone, gângster que, apesar de cometer vários crimes, só foi preso pela polícia dos EUA quando foi flagrado sonegando impostos, em 1931. Será que deve-se evitar sonegar impostos apenas no país deles?
Os investimentos em ações de empresas, sejam elas privadas ou estatais, são considerados de alto risco e sem garantia de retorno aos investidores, além de sujeitas a diversos fatores, tanto internos quanto externos, sejam eles relacionados à má administração, baixa produção ou especulação pura. Já os impostos pagos funcionam como pagamento, sejam pelo direito de prestar atividades em território nacional ou até mesmo pela ocupação de um terreno. A concessão dada a uma empresa para prestar atividades no país em troca do pagamento de impostos não é, dessa forma, um investimento de risco ou de retorno duvidoso. É uma receita garantida, que é incluída no orçamento do governo.
Escândalos que vêm do setor público, como a Operação Lava Jato, não perdem o protagonismo na grande mídia. Mas quando as suspeitas recaem sobre empresas privadas, o caso vira coadjuvante e merece menos destaque, mesmo quando o dano é maior e recai sobre o cidadão brasileiro.
Fonte: Jornal do Brasil