Serrano: O fascismo e o nazismo, quando surgiram, foram uma onda
Já se tornou recorrente essas pessoas que estão indo às ruas contra a presidente Dilma Rousseff e o Partido dos trabalhadores promoverem agressões físicas e verbais contra quem porte símbolo de preferência política pela presidente da República e seu partido. Desde o processo eleitoral do ano passado isso vem acontecendo.
Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania
Publicado 19/03/2015 20:24
Entre os episódios mais impressionantes, está o do cadeirante que durante a campanha eleitoral do ano passado foi agredido por militantes do PSDB no meio da rua por usar camiseta vermelha.
Nas redes sociais e mesmo nesta página, leitores vêm se manifestando no sentido de que têm sentido medo de manifestarem suas opiniões políticas. Atualmente, sair com uma camiseta vermelha na rua em lugares como São Paulo, por exemplo, gera risco de agressão física de potencial imprevisível, podendo até levar à morte de quem vestir vermelho por opção política ou mesmo por gostar dessa cor.
O Blog da Cidadania foi ouvir sobre essa questão um dos mais importantes juristas do país, o advogado Pedro Estevam Alves Pinto Serrano.
Pedro Serrano, como é conhecido, é Mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP; professor nas matérias de Direito Constitucional, Fundamentos de Direito Público e Prática Forense de Direito Público da Faculdade de Direito da PUC/SP; professor do Curso de Especialização em Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC/SP; ex-professor de Direito Constitucional e Administrativo em diversas Faculdades de Direito no Estado de São Paulo e em cursos preparatórios para concursos jurídicos; proferiu aulas e palestras nas Escolas Superiores da Magistratura Federal, da Magistratura do Estado de São Paulo e do Ministério Público de São Paulo bem como em diversos congressos e seminários de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Público em diversas regiões do pais.
O entrevistado também é ex-procurador do Estado de São Paulo; ex-consultor especial da Câmara Municipal de São Paulo; ex-secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo e membro efetivo do Instituto de Direito Administrativo de São Paulo.
Confira, abaixo, a entrevista.
Blog da Cidadania – Pessoas que têm usado roupas da cor vermelha têm sido agredidas na rua em manifestações contra o Partido dos Trabalhadores ou contra o governo Dilma Rousseff e mesmo quando não há manifestações. Como o senhor vê esse tipo de situação?
Pedro Serrano – O que não pode haver, e a Constituição determina claramente que não pode haver, é, no lugar onde há uma manifestação já agendada, um outro grupo político querer se manifestar no mesmo lugar. Outra coisa é a pessoa que, individualmente, em um dia comum, quer passear na rua com uma camiseta do seu partido político, por exemplo do PT – até porque, o partido dos trabalhadores é um partido legal.
É absolutamente lícito você manifestar sua preferência política portando uma camiseta do PT. Não só é lícito como é um direito inerente à liberdade de expressão. Exprimir-se não é só falar, exprimir-se é você portar todos os signos de uma determinada ideia em que você acredita ou até portar os signos de uma orientação política.
Agredir uma pessoa que porta o símbolo de uma agremiação política tem o mesmo sentido, para a ordem jurídico-democrática, que você agredir um homossexual, que você agredir um negro, que você agredir uma mulher pelo gênero, pela etnia, pela orientação sexual. Quem porta uma camiseta vermelha tem uma condição de opção política que tem que ser absolutamente respeitada não apenas na dimensão do direito de consciência que a pessoa tem, mas como no direito a exprimir esse pensamento das mais variadas formas, o que inclui portar uma camiseta vermelha.
Portanto, o dever da força policial é proteger quem manifesta licitamente a sua opção política, da mesma forma que é dever da força policial, quando um homossexual é agredido, proteger o homossexual e não querer proteger a multidão que o agride. Da mesma forma que quando uma mulher é agredida por um homem por conta da sua condição feminina, é a mulher quem merece proteção do Estado e o homem quem merece a repressão.
As pessoas que fazem esse tipo de agressão podem ser individualmente identificadas e polícia, hoje em dia, tem total condição de fazer isso, porque, quando quer, faz. Você sabe que em qualquer espaço público, hoje, todo mundo é filmado por câmeras de condomínio etc. e tal.
Então, a polícia tem total condição de identificar individualmente quem fez isso. E deveria agir com rigor porque agindo com rigor contra quem agride a liberdade de expressão está defendendo a democracia.
Quero lhe relatar um caso. No último domingo, dia da manifestação contra Dilma Rousseff, um indivíduo passeava de bicicleta pela orla da praia, no Rio de Janeiro, usando uma camiseta vermelha. Essa pessoa foi agredida pela multidão. Então chega a polícia. Em vez de proteger o cidadão, os policiais obrigaram o transeunte a despir a camisa vermelha antes de o levarem embora, dentro da viatura, o que deu a impressão de que esse homem estava cometendo um crime. O que o senhor acha disso?
Eduardo, isso demonstra claramente a quem, no momento atual, a polícia e as instituições repressivas estão servindo. Em vez de servir ao direito das pessoas e à democracia, preferem, por exemplo, servir apenas à proteção de patrimônio. Quando é para proteger o direito das pessoas de manifestarem suas opiniões políticas, o que se vê é essa inércia, essa inação. Isso demonstra que nós estamos em um país que ainda tem uma democracia muito imatura.
Nós precisamos aperfeiçoar a democracia. Esse debate que você está promovendo é correto.
Temos que pressionar os órgãos de repressão para que sejam mais republicanos, que os policiais não atuem apenas em favor daqueles com os quais os seus comandantes simpatizam, mas atuem em favor de qualquer cidadão, porque os policiais são pagos para isso.
Em uma situação como essa, em que a autoridade policial não age em defesa de direitos civis como liberdade de expressão, o público com o qual eu interajo na internet, em boa parte está se dizendo com medo de manifestar suas opiniões políticas. Essas pessoas estão se dizendo com medo de manifestar suas opiniões políticas em ambientes profissionais, familiares e, sobretudo, no espaço público. O que é que se pode fazer para combater o que está parecendo com a ascensão do nazi-fascismo na Europa?
Nós temos que lembrar que o fascismo e o nazismo, quando surgiram e se instalaram no poder, foram uma onda. É mais ou menos o que se está vendo na sociedade brasileira.
Existe, sim, um aspecto nessas manifestações [contra o governo Dilma] que é legítima. O governo ser criticado é absolutamente legítimo. As pessoas exporem opiniões de direita, de esquerda, é legítimo. Eventualmente no ambiente de uma manifestação pública um ou outro abuso pode ocorrer e isso tem que se tolerar porque integra o direito de as pessoas se exprimirem.
Duas coisas, porém, têm me preocupado, Eduardo. Isso que você falou, ou seja, o ódio em relação a opções políticas e o segundo aspecto a pregação aberta de golpe de Estado e/ou de “intervenção militar”.
O Brasil tem uma postura em seu sistema jurídico muito clara. O presidente Fernando Henrique Cardoso implementou uma lei federal que torna crime qualquer tipo de manifestação, de divulgação, de exposição de ideias em favor do nazismo. Ou seja: a democracia brasileira não é uma democracia que tolera formas mais autoritárias de Direito.
Acho que essa legislação, proposta por Fernando Henrique Cardoso, tem que ser aperfeiçoada.
Precisamos ter uma legislação em defesa da democracia. Qualquer regime político tem mecanismos de defesa de si próprio. A democracia aceita o debate sobre qualquer coisa, menos sobre o fim dela.
A democracia não admite se debater ou se deliberar sobre o fim da democracia. Portanto, precisa haver uma lei que defenda o regime democrático. Há que se estabelecer algum tipo de sancionamento, não precisa nem ser prisão. Há que impor algum tipo de sanção àqueles que pregam abertamente o regime democrático.
Há sanções na Lei de Segurança Nacional, ainda que seja uma lei de inspiração ditatorial, feita pela ditadura…
Há, sim, essa lei, mas eu não gosto da Lei de Segurança Nacional. Acho que deveria ser criada outra, por mais que essa esteja vigente.
O que é preciso é punir os crimes de ódio contra orientação sexual, de ódio contra gênero e de ódio contra opção política. A manifestação de ideias, o debate, o conflito, faz parte da democracia, mas não o ódio, pois a democracia supõe tolerância, do contrário não vai subsistir como regime.
Esses crimes de violência contra opções políticas, contra gênero ou orientação sexual têm que ser punidos com mais severidade do que a violência comum, porque implicam em violência contra o cidadão como violência comum, mas também implicam em violência contra o regime político democrático, por isso são crimes que têm que ser mais agravados do que os da violência comum. Eu incluo nesses crimes de ódio os crimes contra opção política.