João Feres Júnior: Instituições, mídia e os ovos

Os políticos da oposição e sua máquina de campanha nas redes sociais têm uma capacidade muito baixa de mobilização. Sem o apoio obsequioso da mídia tal campanha não seria possível.

Por João Feres Júnior*, publicado no Brasil Debate

Impitiman meuzovo

Recebo pelo whatsapp, no grupo do futebol de fim de semana, uma mensagem conclamando para manifestação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

No Facebook, uma prima, paulista, professora universitária já aposentada, posta mensagem lamentando o estado de decadência moral do país e de suas instituições. Os comentários de seus amigos ao post são ainda mais soturnos e catastrofistas.

O deputado Jean Wyllys (Psol) reproduziu em sua página do Facebook, na noite do dia 9 de fevereiro notícia de que a diretora da Central Globo de Jornalismo teria dado ordem por e-mail para que a cobertura da Operação Lava Jato não faça menção a FHC: “revisem os vts com atenção! Não vamos deixar ir ao ar nenhum com citação ao Fernando Henrique”.

Marcos Coimbra publica o artigo “Dois janeiros”, na Carta Capital, mostrando como o primeiro janeiro do segundo mandato de FHC foi palco de escândalos de corrupção envolvendo o presidente do Banco Central e profunda crise econômica, com indicadores muito piores do que os que temos hoje.

Esses eventos, a lista aqui poderia ser bem estendida, encontram uma coerência última em um aspecto muitas vezes negligenciado nas análises políticas: o comunicacional. Não devemos reduzir esse aspecto à grande mídia, no entanto, ainda que ela seja responsável por grande parte dele. Há também outro player no atual contexto.

Trata-se, se não estou enganado, da continuação da campanha política presidencial, que não se encerrou de fato com o resultado do segundo turno em outubro passado. Isto é, a situação, vitoriosa, desmontou sua campanha e passou a encarar as tarefas de montagem do governo, nada fáceis na atual conjuntura, diga-se de passagem, em que pesem os sinais de incompetência política com que isso tem sido feito. Mas a oposição parece ter mantido algumas estruturas de campanha em funcionamento.

A mensagem que circulou pelo whatsapp acima citada é em tudo similar a outras enviadas ainda durante a campanha. Houve aquelas que, ecoando a grande mídia, acusavam Dilma e Lula de saberem do escândalo da Petrobrás, ou pior, aquela enviada no domingo do segundo turno acusando o PT de ter envenenado e matado – sim matado! – o doleiro Yousseff. Não somente o conteúdo golpista é parecido, mas a rede de pessoas circulando essas mensagens é a mesma.

Na verdade, esse comportamento de campanha é somente parte das ações da oposição. O golpismo escancarado se iniciou logo após a eleição, com a petição ao TSE protocolada por deputado do PSDB que cobrava a abertura de processo de verificação do resultado das urnas colocando em questão a confiabilidade da urna eletrônica sem relacionar, porém, nenhuma denúncia concreta. Ou mesmo a tentativa subsequente de rejeitar as contas da campanha de Dilma, impedindo sua nomeação e determinando que Aécio, segundo colocado na disputa eleitoral, assumisse a Presidência da República, expediente que não obteve suficiente apoio judicial para vingar.

Com a exploração midiática intensa da Operação Lava Jato, sempre tentando passar especulação por fato, o impeachment tornou-se palavra de ordem do front oposicionista. O “advogado de FHC” entra em cena encomendando de Yves Gandra um parecer que diligentemente tenta justificar o impedimento da presidenta. Ao mesmo tempo, os políticos do PSDB e a máquina de campanha, agora operando nas sombras, tentam criar uma mobilização popular em prol da deposição de Dilma.

Mas aqui chegamos a um ponto que é importante ressaltar. Os políticos da oposição e sua máquina de campanha nas redes sociais têm uma capacidade muito baixa de mobilização, já demonstrada em outras várias tentativas falidas de sublevar a população contra o governo. Sem o apoio obsequioso da mídia tal campanha não seria possível.

Sem esse apoio, pessoas como minha prima, uma mulher de mais de setenta anos, culta e razoavelmente progressista, não estariam experimentando essa sensação apocalíptica repetida incessantemente nos círculos de classe média do País, e que cada vez mais penetra os outros setores de nossa sociedade. Ora, será que não lembram de janeiro de 1999, como bem faz Coimbra? Será que nunca ouviram falar da Privataria Tucana, esse sim um esquema de corrupção que mudou a face do Estado brasileiro? Será que não ouviram dizer que o esquema de corrupção da Petrobras já estava bem instalado durante o governo FHC?

O e-mail vazado da diretora de jornalismo da Globo só demonstra a militância partidária que de resto vemos confirmada diariamente nas páginas dos grandes jornais e programas televisivos de notícias de nosso País. Basta ver os gráficos da cobertura semanal recém-inaugurados no site do Manchetômetro.

O Jornal Nacional produziu 28 matérias negativas para a situação na última semana e nenhuma para a oposição. O Globo só em suas capas publicou 10 matérias negativas e o Estadão alvejou a situação (governo, Dilma e PT) 27 vezes em suas capas, em uma só semana. O gráfico da cobertura de Dilma mostra que ela obteve 30 matérias negativas nas capas dos três jornais, somente na última semana, média bem superior a uma por dia por jornal.

O Partido dos Trabalhadores, mantendo uma tradição da cobertura já verificada por todo o ano de 2014, foi ainda mais criticado: 32 matérias negativas nas capas. É uma avalanche de cobertura negativa, sem sequer a pretensão de afetar algum equilíbrio ou senso crítico a respeito dos fatos da política e da economia brasileiras. A oposição raramente é alvo de crítica, o envolvimento de seus políticos na operação Lava Jato é silenciado, seus escândalos e crises, como a falta de água que agora afeta São Paulo, são relativizados.

O que fazer perante tal estado de coisas? Infelizmente, não somos autônomos para escolher as regras do jogo e a teoria dos jogos mostra que o jogador trapaceiro força os outros a adotar expedientes que evitem o dano causado pelas trapaças. O jogo não acabou, pois a oposição se nega a reconhecer a derrota eleitoral.

Enquanto sua máquina de campanha estiver montada e operando é necessário que as forças progressistas continuem atuando, também como se estivessem em campanha. Enquanto a grande mídia for essa que aí está, mais e mais campanhas de desestabilização institucional serão geradas e alimentadas. Baixar a guarda neste instante é começar a admitir a possibilidade de derrota.

É por isso que o meme “Impítiman é meuzovo!”é tão bem-vindo. Por mais que seja uma mera brincadeira de carnaval, de sabor nordestino, diga-se de passagem, ela desmonta moralmente a campanha golpista. Escancara a farsa. Acusa a manipulação e ri dela.

Mas carnaval passou e agora precisamos mostrar que golpe nas instituições é um objetivo que está fora das regras do jogo democrático em nosso País. É hora de mostrar de fato, na prática, que “Impítiman é meuzovo!”

*João Feres Júnior é cientista político, vice-diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e coordenador da pesquisa "Manchetômetro"