Bloco Domésticas de Luxo: onde racistas se divertem
Pouco antes de começar a folia do Carnaval, o portal Tribuna de Minas repercutiu algo de forma, no mínimo, intrigante: apresentando o Bloco chamado “Domésticas de Luxo” com entusiasmo, o portal deu à matéria o título de “Pretinhas em contos de fada”, explicando que os participantes do bloco – tradicionalmente homens brancos -, além de se fantasiarem de mulheres negras, ainda adicionavam à “fantasia” roupas de princesas de contos de fada, como a Branca de Neve.
Por Jarid Arraes*, na Revista Fórum
Publicado 18/02/2015 10:10
É chocante que o racismo escrachado, debochado e explícito seja tratado como uma tradição divertida que tem mérito em ser preservada. Pior, é revoltante perceber que a população de Juiz de Fora – onde o bloco acontece – considera tão natural e adequado o fato de que homens brancos se vistam de mulheres negras, pintando o rosto com tinta preta, vestindo perucas que imitam cabelos crespos, exagerando no batom vermelho para desenhar lábios muito grossos e fazendo uso de enchimentos para exibir bundas falsas de tamanhos enormes.
O bloco Domésticas de Luxo é um verdadeiro show de horrores: consegue reunir racismo e machismo numa mistura perversa que está a serviço de uma parcela altamente privilegiada da população. E eles se divertem muito: dançam, bebem, gargalham – e até mesmo levam crianças para assistir e participar. Esse espetáculo tem a cara do Brasil; um país extremamente racista, que trata os cidadãos negros como objetos de escárnio, coisas sem valor, sem o status de seres humanos e sem direito ao mínimo respeito.
O jornal Tribuna de Minas faz ainda pior, pois respalda a prática racista, apresenta todo o show bizarro como algo divertido, como um programa para ser feito em família. “As pretinhas mais famosas de Juiz de Fora caem na folia”, escreveu Marisa Loures. Quais pretinhas? Os homens brancos que utilizam estereótipos relacionados às mulheres negras como válvula de escape para expressar todo o racismo que escondem nos demais dias do ano?
Nenhum argumento em defesa desse bloco pode ser aceito, nem mesmo o fato de que o bloco promove doações de sangue ou de leite materno. Nenhuma ajuda pode ser oferecida a um grupo se isso é feito às custas da degradação de outro grupo. As mulheres negras reais têm direito de “cair na folia” com a garantia de que serão respeitadas; ou será que o assédio, o racismo e a violência são o que Juiz de Fora tem destinado a elas?
O mundo caminha para frente, avançando no sentido de mudanças sociais para garantir a dignidade e os direitos de todas as pessoas, não somente das pessoas brancas do gênero masculino. Nosso país não deve mais abrir espaço para algo tão escabroso como esse bloco “Domésticas de Luxo”. O bloco tem que acabar e as pessoas que participam dele devem ser responsabilizadas pela hostilização e deboche cometido contra mulheres negras. Isso é racismo, é herança escravocrata, e precisa ter fim. Para todos aqueles que trabalham por uma sociedade onde o racismo e a misoginia não mais prevaleçam, o repúdio contra esse bloco é a atitude mínima a ser tomada.
*Jarid Arraes é diretora do Femica e estudante de Psicologia