A história indica cautela
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reconheceu a ineficácia da política do bloqueio econômico, comercial e financeiro após anunciar o restabelecimento das relações com Cuba, mas o futuro impõe cautela diante das históricas aspirações do país do Norte de se apoderar da ilha.
Publicado 09/01/2015 16:12
O presidente cubano, Raúl Castro, deixou claro em seu recente discurso ao Parlamento cubano que será longa e difícil a luta para conseguir pôr um fim aos 50 anos de bloqueio impostos pela Casa Branca e enraizado nas leis desse país.
Nos últimos anos, ao mesmo tempo em que se manifestava uma suposta flexibilização das posições para Cuba, o bloqueio endureceu os castigos, sobretudo em seu caráter extraterritorial.
De acordo com um relatório do Ministério de Relações Exteriores de Cuba, a principal característica das ações norte-americanas é a insistência em sancionar terceiros por manter relações normais com esse país.
Raúl Castro falou sobre as profundas diferenças entre Cuba e Estados Unidos que incluem, entre outras coisas, diferentes concepções sobre o exercício da soberania nacional, a democracia, os modelos políticos e as relações internacionais.
Apontou que não se deve pretender, para que as relações com Estados Unidos melhorem, que Cuba renuncie às ideias pelas quais tem lutado durante mais de um século, pelas quais seu povo derramou muito sangue e correu os maiores riscos.
“É necessário compreender que Cuba é um Estado soberano cujo povo, em livre referendo para aprovar a Constituição, decidiu seu rumo socialista e sistema político, econômico e social”, explicou.
“Da mesma forma que nunca nos propusemos que os Estados Unidos mudassem seu sistema político, exigiremos respeito ao nosso”, indicou.
Entre Cuba e Estados Unidos se restabelecem as relações depois de uma decisão de ambos os governos que muda o panorama político, mas não apaga a história que tem a intervenção norte-americana em assuntos da ilha desde os tempos do final do século XVIII e a primeira metade do século XIX, quando foi manifesto o desejo de se anexar este território.
As intenções da Doutrina Monroe com a aplicação da política da fruta madura e a ameaça declarada nesse instrumento geopolítico contra as potências colonizadoras da Europa são evidências dos anseios do país do Norte.
O fim da disputa cubano-espanhola que buscava terminar com o colonialismo na ilha ficou marcado pela rejeição do estado beligerante do Exército Mambí por parte de Washington, que aproveitou uma conjuntura proporcionada pela declaração do regime autônomo, o considerou uma ameaça e enviou o encouraçado Maine.
Em frente à costa cubana em 15 de fevereiro de 1898, o Maine explodiu deixando 266 mortos, mas acomodando o meio para que fosse declarada uma guerra contra a Espanha com os cubanos por fora do conflito. Em primeiro de janeiro de 1899, com o Tratado de Paris, ficou oficializada a intervenção militar norte-americana na ilha. Abriria o século XX com a instauração aqui de uma república, que nasceu com a Emenda Platt pendurada pelo braço e que impôs a presença militar estadunidense e a prerrogativa para intervenções militares, entre outras, e seria o instrumento para outorgar legalidade do domínio sobre Cuba.
Durante anos sucederam-se em Cuba governos vinculados aos Estados Unidos, que impôs também o Tratado Permanente que possibilitava a compra ou arrendamento de territórios para bases navais, motivo pelo qual se estabeleceu desde então a Base Naval de Guantánamo.
Também entre os instrumentos de dominação se destacou o Tratado de Reciprocidade Comercial que regulava o intercâmbio desigual entre os dois países.
O último desses governos, o de Fulgencio Batista (1952-1959), foi derrocado por uma Revolução liderada por Fidel Castro, que teve entre suas primeiras medidas a promulgação de uma reforma agrária.
Dita lei produziu contragolpes pela Casa Branca, como a suspensão da cota açucareira cubana no mercado preferencial estadunidense, considerada a primeira ação importante na guerra econômica contra a ilha.
A ruptura das relações diplomáticas com Cuba, em 3 de janeiro de 1961, a invasão de 1.500 homens em abril desse mesmo ano pela Baía dos Porcos e, depois, o bloqueio, fizeram parte da política da administração dos presidentes da época.
As ações contra Cuba, já demarcada no caráter socialista do projeto que construía, se intensificaram com leis como a de Ajuste Cubano (1966), que tem estimulado a emigração ilegal para os Estados Unidos.
Os períodos dos republicanos Ronald W. Reagan (1981-89) e George H. W. Bush (1989-1993) continuaram o caminho iniciado por Eisenhower, enquanto o democrata William F. Clinton (1993-2001) sancionou em 1996 a Lei da Solidariedade Democrática e da Liberdade de Cuba (Lei Helms-Burton), que endureceu ainda mais as ações da Lei Torricelli, assinada por Bush (pai) em 1992.
A administração de seu filho George W. Bush (2001-2009) foi uma das mais agressivas contra Cuba e entre suas medidas estão as restrições das viagens dos cubanos-americanos e dos montantes das remessas aos seus familiares.
Com os discursos simultâneos do passado 17 de dezembro, os presidentes Raúl Castro e Barack Obama anunciaram o restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países. Ficou reconhecido por Obama o fracasso da política hostil contra Cuba e se comprometeu a trabalhar no Congresso pela eliminação das travas impostas pelo bloqueio. Não obstante, a história marca para os cubanos a pauta da cautela.
Fonte: Prensa Latina