Michel Yakini: Chespirito, Ayotzinapa e o silêncio funesto
Salvo quem acompanha a mídia independente, ou recebe seus e-mails, se você perguntar pra qualquer cidadão brasileiro o que está acontecendo no México, a maioria vai dizer: “tô sabendo, o Chaves e o Chapolin morreram”.
Por Michel Yakini, no Brasil de Fato
Publicado 30/12/2014 10:27
Carta a Alejandro Reyes. (San Cristobal de las Casas-Chiapas-México)
Salve mano, como estás?
Aqui no Brasil a gente teima em reconhecer o México numa calmaria que só, fora um Ronaldinho na liga de futebol mexicana, uma especulação de um boleiro e outro que vai jogar por aí, o que mais emocionou nosso país com a realidade de vocês foi a morte do Chespirito, vai vendo!
O sumiço de dezenas de estudantes em Ayotzinapa, a revolta em frente à prefeitura e os protestos contra a corrupção tiveram direito a um flash minguado nos jornais de maior audiência, quase uma semana depois que o fervo começou por aí.
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Salvo quem acompanha a mídia independente, ou recebe seus e-mails, se você perguntar pra qualquer cidadão brasileiro o que está acontecendo no México, a maioria vai dizer: “tô sabendo, o Chaves e o Chapolin morreram”.
A praça de Zócalo lotada em protesto pelos acontecimentos em Ayotzinapa, na solidariedade com os parentes e amigos dos desaparecidos, a perseguição ao povo indígena, a massificação corrompida do Programa “Sin Hambre” em Chiapas, a caçada do cachorro babão aos imigrantes guatemaltecos, San Cristobal de las Casas tomada nas ruas pelo silêncio da ação direta Zapatista, só soube quem esteve aí, porque nem os jornais mexicanos puderam ignorar tanta mina explodindo no país.
Por sorte, estivemos juntos recentemente e pude ouvir de você uma versão mais digna e triste dos fatos, no mais é mercado da bola e Chespirito, infelizmente. Além de ficar de cara com a situação, percebi que as semelhanças latinas entre México e Brasil estão num alerta comum. O exemplo de Ayotzinapa nos diz: “Fiquem atentos, pois quando a vala da imposição escancarar, o alarde não passará das fronteiras e a mídia independente vai ser a única a noticiar esse silêncio funesto, enquanto a maioria vai assistir a reprise do Chaves".
A onda latina, que já impregnou chumbo entre nosotros, nos anos 60 e 70, agora ameaça tomar as rédeas pela tal “social-democracia”, proferindo segurança, muquiada de genocídio e refinaria de coca, vomitando crescimento à base de privatização e meritocracia e lorotando educação de qualidade, revestido de curso do pião qualificado.
Depois da lambança toda, pouco nos importa esse tom de vandalismo e selvageria que a agência internacional quer carimbar com os acontecimentos em Ayotzinapa, pois como disse El Comandante Tacho (EZLN): “Nosotros queremos escuchar su dolor, sus rabias y sus angustias de saber en dónde están sus jóvenes estudiantes”.
Lembra que te falei que o que mais me marcou no povo mexicano foi o sorriso, que senti exalando mesmo nos arrabaldes? Pois é, nisso somos semelhantes também, mano, pois nossos sorrisos escondem na verdade um olhar triste e historicamente injustiçado.
Que soprem bons ventos logo. É o que precisamos!
Um abraço em você e no Daruêzito!