Zuenir Ventura: personagem, testemunha e narrador da História
Zuenir Ventura é uma testemunha da história. Jornalista, professor e agora imortal da Academia Brasileira de Letras, ele viveu para contar e resgatar a memória de um dos períodos mais sombrios da história recente do Brasil. Seu livro “1968 – o ano que não terminou” é um dos mais célebres registros sobre a época da ditadura militar.
Publicado 28/12/2014 10:01
A edição especial do Brasilidade traz um personagem cujo papel fundamental tem sido transmitir às diferentes gerações a necessidade de se falar sobre princípios básicos como liberdade e democracia. “Você precisa do passado para entender o presente e para construir o seu futuro”, pondera.
O jornalista diz que até hoje ainda é difícil lembrar do que aconteceu com pessoas próximas; vítimas de perseguições, torturas e mortes. Para escrever “1968”, Zuenir diz que ouviu muitas pessoas e mergulhou em documentos, registros e qualquer outra forma de traduzir, com fidelidade, os episódios e situações históricas. “Em 1987, quando eu estava escrevendo sobre 68, eu só pensava em 68. Quase não lembro do que aconteceu em 87, eu acho que fiquei até meio chato, porque só perguntava às pessoas onde elas estavam e o que elas estavam fazendo em 68”, conta.
Para Zuenir, um dos episódios mais marcantes foi o dia 13 de dezembro daquele ano, quando foi instituído o AI-5, revogando direitos individuais e deflagrando diversas operações de captura, tortura e assassinatos. Ele diz que a censura, as perseguições e o cerceamento à informação foram os principais prejuízos para a sociedade da época. “A matéria prima do jornalista, que é a liberdade, é o ar que a gente respira. Eu acho que o prejuízo maior foi para a sociedade, porque, claro que nós, jornalistas, sofremos muito, mas a sociedade ficou sem saber o que estava acontecendo. Hoje, quando um jovem diz para mim assim: ‘Não, mas olha, hoje também, hoje tem censura do mercado’, eu falo: ‘Olha, você não sabe o que é viver sob censura’, avalia.
Ele lembra do episódio de uma tentativa de tentar retratar o contexto da época sem o veto imposto pela censura. “Tem uma edição histórica do Jornal do Brasil que tenta furar a censura. Saía assim, em cima do jornal, no cabeçalho, ao lado, a temperatura, a meteorologia, e aí a meteorologia daquele dia era assim: ‘Tempo escuro, sujeito a tempestade, não sei o quê’, que era uma forma, era uma tentativa de você passar a informação de que estava sob censura, mas era tudo muito sutil, que o leitor, o leitor médio, ele não percebia. Mas aí começa a tentativa de você passar, de alguma maneira, a informação para o seu leitor, mas era muito difícil”, lembra.
O próprio Zuenir foi vítima da repressão do período. Preso sem nenhuma acusação formal, passou três meses encarcerado, mas não chegou a sofrer nenhum tipo de violência física. “Eu fui preso sem a menor razão, eu não participei de nenhum movimento. Eu acompanhava, eu era professor, eu acompanhava os jovens numa passeata, numa assembleia, mas nada de importante. Não tinha nenhuma importância política e eu fui preso como muitos foram naquela época, sem saber o porquê. Naquele momento você nunca estava livre da ameaça de tortura, você nunca sabia se chegaria o seu dia. Tive a sorte de ser bem tratado, não ser torturado, mas outros amigos meus, não. E é muito triste lembrar disso”, relata.
Passados 50 anos do golpe militar, Zuenir diz que o Brasil avançou em sua democracia ao instituir a Comissão Nacional da Verdade e passar a limpo um dos episódios mais marcantes de sua história recente. “Eu sofria demais vendo outros países que já tinham comissão da verdade e o Brasil se recusava a abrir os seus arquivos, abrir o seu passado. Está sendo feito e está sendo feito com muito critério, está sendo feito sem nenhum espírito de revanche, sem nenhum espírito de vingança. O que está se querendo fazer é exatamente descobrir o seu passado, rever o seu passado, a sua história e não repetir. Aquele ciclo não tinha se fechado ainda, sem a Comissão da Verdade, sem esse balanço ”, diz.
Fonte: Palácio do Planalto