Em 2014, bloqueio contra Cuba evidenciou isolamento dos EUA
Pelo terceiro ano consecutivo, 188 países exigiram na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) o fim do bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba, cerco imposto há mais de meio século.
Por Waldo Mendiluza*, na Prensa Latina
Publicado 17/12/2014 14:11

O principal órgão das Nações Unidas reiterou em 28 de outubro seu repúdio às sanções econômicas, comerciais e financeiras através de uma nova resolução apresentada pela ilha sobre a necessidade de levantar o castigo unilateral, iniciativa parecida à apoiada anualmente nesse foro desde 1992.
As grandes telas do renovado salão da Assembleia se encheram de luzes verdes, enquanto o botão vermelho da opção “não” só foi apertado pelos Estados Unidos e Israel, com as Ilhas Marshall, Micronésia e Palau optando pela abstenção (amarelo).
"Haveria que estudar bem, mas não existe outro tema que gere tanto consenso na ONU como o pedido de terminar o bloqueio", comentou à Prensa Latina a embaixadora nicaraguense, María Rubiales, sobre a votação.
Outros diplomatas advertiram que o isolamento de Washington é inclusive maior do que reflete a votação porque com sua abstenção, três pequenas nações insulares economicamente muito dependentes optaram por não acompanhar a Casa Branca.
Condenação categórica
Para o Grupo dos 77 + China, a condenação mundial deve ser a resposta a sanções unilaterais que violam os princípios da Carta da ONU e do Direito Internacional.
É hora de pôr um fim ao bloqueio desumano e genocida, e de adotar ações urgentes e eficazes para derrotá-lo, afirmou o embaixador da Bolívia Sacha Llorenti, ao intervir na Assembleia Geral em nome da organização intergovernamental de 134 nações, presidida em 2014 pelo país sul-americano.
Também o Irã, em representação dos 120 membros do Movimento de Países Não Alinhados, criticou o cerco, que definiu como principal obstáculo para o desenvolvimento da ilha.
Por sua vez, a Organização de Cooperação Islâmica e órgãos regionais como o Grupo Africano, a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, a Comunidade do Caribe e o Mercado Comum do Sul se somaram ao repúdio a um castigo mantido por 10 presidentes estadunidenses.
A título nacional, China, Rússia, Brasil, Argentina, Nicarágua, Equador, África do Sul, Venezuela Egito, Índia, Myanmar, Vietnã, Tanzânia, El Salvador, Argélia, México, Quênia, San Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Uruguai, entre outros países, expressaram em 28 de outubro sua condenação ao bloqueio, na explicação de seu voto.
EUA sem argumentos
Antes da votação na Assembleia, o representante estadunidense no foro Ronald Godard tentou justificar o bloqueio com as tradicionais acusações de Washington contra Havana, vinculadas ao tema dos direitos humanos.
Em uma intervenção qualificada como agressiva por diplomatas e servidores públicos, Godard considerou a resolução adotada por 188 governos "uma distração dos reais problemas que o povo cubano enfrenta".
O conselheiro para Assuntos do Hemisfério Ocidental disse que seu país era "um sócio comercial" da ilha e "um permanente amigo do povo cubano".
As declarações de Godard se parecem às propostas aqui pelos Estados Unidos em anos anteriores, inclusive por ele mesmo, para defender um castigo considerado criminoso, genocida e herança da Guerra Fria, de maneira recorrente.
Para Cuba, não pode ser considerado comércio o que existe entre os dois países, porque a Casa Branca proíbe as exportações da ilha e a compra de produtos e serviços, assim como o uso do dólar nas transações e recrudesce sua perseguição sobre as operações financeiras relacionadas com a maior das Antilhas.
O suposto interesse norte-americano também não aceita o bem-estar dos cubanos, as principais vítimas de uma medida que provocou perdas econômicas acumuladas por um trilhão, 112 bilhões, 534 milhões de dólares e um prejuízo humano incalculável, a partir das restrições impostas sobre a saúde e a educação, entre outros setores.
Cuba denuncia, sem renunciar ao diálogo
O chanceler cubano, Bruno Rodríguez, denunciou na plenária o aumento do prejuízo humano do bloqueio. "São já 77% dos cubanos que nasceram sob estas circunstâncias. O sofrimento de nossas famílias não pode ser contabilizado", afirmou.
De acordo com Rodríguez, ainda que os sistemas de atenção social e saúde na maior das Antilhas impedem a perda de vidas, o cerco provoca severas afetações.
Nenhuma pessoa honesta, no mundo nem nos Estados Unidos, poderia apoiar as devastadoras consequências de uma política proibida por muitas convenções internacionais, incluída a de Genebra de 1948 contra o genocídio, disse.
Apesar da hostilidade de Washington, o diplomata reiterou a disposição de Cuba a tentar buscar uma solução às diferenças com seu vizinho mediante o diálogo respeitoso e a cooperação em aspectos de interesse comum.
"Convidamos o governo dos Estados Unidos a uma relação mutuamente respeitosa, sobre bases recíprocas, baseada na igualdade soberana, os princípios do Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas", sublinhou.
Em ambos lados do Estreito da Flórida, os povos dos Estados Unidos e de Cuba sempre tiveram profundos vínculos, indicou o diplomata, lembrando que apesar das velhas tensões e das tentativas de extremistas violentos e grupos terroristas da provocar ma guerra, isso nunca aconteceu, nem nunca morreram jovens norte-americanos na ilha.
"Ainda que tenha sido caluniada, Cuba jamais foi uma ameaça para a segurança nacional dos Estados Unidos (…) e acolhe hospitaleiramente os poucos estadunidenses que seu Governo permitiu visitar [a ilha] (…)", agregou.
Próximo antecedente
Durante 2014, o tema do bloqueio contra Cuba esteve em pauta em diversos eventos, com destaque para o debate de alto nível da Assembleia Geral, realizado entre 24 e 30 de setembro, poucos dias depois de instalado o 69 período de sessões do principal órgão da ONU.
Mandatários de 45 países dos cinco continentes recusaram então o castigo, em um claro precedente do que ocorreria na votação.
Qualificativos como genocida, anacrônico, injusto, anomalia, unilateral e extraterritorial foram usados por presidentes, premiês e chanceleres no foro.
O debate geral é uma das poucas oportunidades que os chefes de Estado e de Governo têm para tomar a tribuna do principal órgão das Nações Unidas e fixar postura sobre suas preocupações, o que destaca a importância significativa de que tantos abordem com paixão este assunto, coincidiram diplomatas consultados pela Prensa Latina.
Para alguns, a explicação está em que o castigo imposto a Cuba representa uma violação do Direito Internacional e dos princípios da Carta das Nações Unidas, incompatível com o respeito à soberania, a autodeterminação, o multilateralismo e a coexistência pacífica.
Em seu turno no pódio, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, lembrou que nos últimos 22 anos a Assembleia tem exigido de forma categórica o fim do bloqueio.
Trata-se de um anacronismo da guerra fria que tem causado muitos danos ao povo cubano, sentenciou.
"Cuba envia seus engenheiros, professores e médicos a todo o mundo para melhorar a vida de outros (…) Não é hora de acabar com as atitudes da guerra fria? E se não for agora, quando? Não é hora de pôr fim ao embargo? E se não for agora quando?", advertiu por sua vez o chanceler de Granada, Nickolas Steele.
Para o chefe de Estado boliviano, Evo Morales, o castigo contra a ilha é o sistema de sanções unilaterais mais injusto, severo e prolongado que se aplicou contra qualquer país.
"Qualificado como ato de genocídio. Deve ser posto imediatamente fim a este bloqueio colonial", exigiu.
Além da Venezuela, Granada e Bolívia, condenaram o cerco no final de setembro representantes do Uruguai, Angola, Rússia, África do Sul, Lesoto, San Vicente e Granadinas, Nicarágua, Equador, São Cristóvão e Neves, Seychelles, Síria, Laos, Vanuatu, Vietnã, Argélia, Jamaica e República Popular Democrática da Coreia.
Completam a lista El Salvador, Moçambique, Tuvalu, Namíbia, Trinidad e Tobago, Dominica, Guiana, Antiga e Barbuda, Sri Lanka, Gabão, Ghana, Peru, São Tomé e Príncipe, Tanzânia, Gâmbia, Chade, Bielorrússia, Belize, Guiné Bissau, Barbados, Suriname, Bahamas, Burkina Faso, Santa Luzia e Ilhas Salomão.
*Correspondente-chefe da Prensa Latina na ONU