Biblioteca Nacional recebe acervo pessoal de João Goulart
A Biblioteca Nacional recebeu nesta segunda-feira (8) a primeira parte do acervo pessoal do ex-presidente João Goulart, dentro do convênio assinado com o Instituto João Goulart para conservação, catalogação e divulgação do material. O presidente do instituto, João Vicente Goulart, filho do presidente deposto pelo golpe militar de 1964, explica que a parceria vai facilitar a pesquisa histórica sobre o período.
Publicado 09/12/2014 08:57
“Essa parceria é de suma importância não só para o Instituto João Goulart, mas para a nação brasileira, que vai ter conhecimento. A ideia é divulgarmos isso o mais rápido possível, disponibilizar ao público, pesquisadores, estudantes, professores, enfim, disponibilizar para a academia, para que possamos ter cada vez mais conhecimento sobre a nossa história, sobre a história política do [ex-]presidente João Goulart e tudo aquilo que aconteceu após o golpe de 64”, acrescentou João Vicente.
A primeira remessa contém cerca de 200 documentos, entre eles cartas de pessoas como os papas João XXIII e Paulo VI, o então senador Salvador Allende, posteriormente também deposto da Presidência do Chile por um golpe militar, cartas das lutas políticas internas do PTB, da deputada Ivete Vargas e do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), que teve Goulart como vice.
Ao todo, serão entregues à Biblioteca Nacional 10 mil documentos, inclusive 6 mil da CPI do Instituto Brasileiro da Ação Democrática, criada em 1963 para investigar o financiamento estrangeiro a campanhas de parlamentares brasileiro, por meio do instituto.
O historiador Oswaldo Munteal, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que assessora o Instituto João Goulart, diz que esses documentos nunca foram analisados por nenhum pesquisador e que seu conteúdo trará Justiça ao ex-presidente.
“Esse acervo traz documentos inéditos que tratam, dentre outras coisas, da ação dos parlamentares na época do golpe; do derrame de milhões de dólares na compra de senadores, deputados, prefeitos, governadores, para que conspirassem contra o presidente Goulart; inclusive de parlamentares [e parentes] que estão aí. Foi um golpe congressual militar. Quando o senador Auro de Moura Andrade, por São Paulo, declara vaga a Presidência da República, com o presidente em território nacional, foi um momento gravíssimo da vida política brasileira”, acrescentou.
O professor ressalta que Jango foi vigiado pelos militares diariamente, entre 1954 e 1976, e ainda há episódios a serem esclarecidos sobre a vida dele. “É importante que se liberem os documentos do Ministério das Relações Exteriores para completar o ciclo. Ainda vejo zonas muito pouco clarificadas, como por exemplo, as circunstâncias da morte do presidente, a vida dele no exílio, como as reformas de base foram obstaculizadas.”
Para o presidente da Biblioteca Nacional, Renato Lessa, a entrega do acervo à instituição simboliza a reintegração da memória de Jango à história do Brasil. “A Biblioteca Nacional é uma instituição do Estado brasileiro, que recebe o acervo de um ex-presidente da República, o único que morreu no exílio. Além da qualidade intrínseca do acervo, dos documentos, das cartas, das informações que ele contém para nos ajudar a entender um certo período da história brasileira, trata-se simbolicamente da reintegração da memória de João Goulart à narrativa que o Estado faz a respeito da sua história”.
O trabalho vai durar dez anos e, à medida que os documentos forem analisados, classificados e digitalizados, serão disponibilizados para consulta nos sites da Biblioteca Nacional e do Instituto João Goulart. Para 2015, o instituto também pretende começar a construção do Memorial da Liberdade e da Justiça, no Eixo Monumental, em Brasília -, projeto de Oscar Niemeyer, que será um espaço interativo, “que conte aos visitantes como foi difícil a retomada da democracia no Brasil e por que a democracia caiu em 1964, para que o Brasil conheça a ferida que foi aberta em 1964”, segundo Goulart.
O filho do presidente deposto lamentou manifestações ocorridas nos últimos meses em que alguns grupos pediram intervenção militar no país. “Os povos que não conhecem seu passado tendem a repetir os erros. Eu fico até assombrado: jovens falando em intervenção militar, via Facebook – eles nem imaginam que, em uma ditadura, não estariam nem falando, não teriam a liberdade que temos com a democracia. É muito importante essa divulgação [dos documentos] para que eles saibam realmente o que é uma ditadura”, enfatizou.
Fonte: Agência Brasil