Angel Cabrera: Uruguai também rechaça o neoliberalismo
As recentes eleições no Uruguai confirmaram a tendência do eleitorado na América Latina e no Caribe de votar pela continuidade dos governos antineoliberais, como temos podido comprovar neste ano em El Salvador, Bolívia, Brasil e agora na pátria de José Artigas.
Por Angel Cabrera, no La Jornada
Publicado 06/12/2014 06:00
Desde 1998, ano da primeira eleição de Hugo Chávez, até agora, nem um só deles foi removido eleitoralmente. Unicamente apelando ao golpe de Estado as oligarquias aliadas aos Estados Unidos puderam derrubar os mais débeis: o de Manuel Zelaya em Honduras e o de Fernando Lugo no Paraguai, procedimento também tentado infrutiferamente na Venezuela (2002), Bolívia (2008) e Equador (2010).
Mas a ratificação sucessiva destes governos não significa que os eleitores lhes tenham dado um cheque em branco para eternizar-se na direção dos respectivos países. Sua permanência tem dependido da fidelidade aos programas pelos quais foram votados, da eficiência e honradez em seu desempenho, da defesa da soberania e de sua vinculação com as necessidades e aspirações populares.
A vantagem conseguida na contenda presidencial pelo médico oncologista Tabaré Vázquez sobre os candidatos da direita tradicional, ao tempo em que a sua organização partidária, a Frente Ampla (FA), mantinha a maioria em ambas as casas do Congresso, significou em grande medida um respaldo popular à obra de governo da coalizão que governa o Uruguai desde 2004. Foi justamente o próprio Vázquez que ganhou a presidência naquela oportunidade, substituído no cargo em 2009 pelo também frenteamplista Pepe Mujica, carismático ex-membro da direção do movimento guerrilheiro Tupamaros, que manteve e enfatizou as políticas sociais de seu antecessor e se destacou notavelmente por sua política externa, apegada às ideias da unidade e integração da América Latina e Caribe, atuando em conjunto com Hugo Chávez, Evo Morales, Cristina Fernández, Rafael Correa, Dilma Rouseff e outros líderes dos governos antineoliberais da região.
Mujica entregará a presidência com a taxa mais baixa de desemprego da história do país e tendo tirado da pobreza 900 mil uruguaios, conquistas compartilhadas com Vázquez. Sob seu mandato se aprovou a lei de despenalização do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do trabalho juvenil e do trabalho doméstico.
A contundente vitória de Vázquez, foi também um plebiscito sobre a gestão de Mujica, confirmado pelo fato de que seis de cada 10 uruguaios apoiavam seu desempenho e quase a mesma proporção votou em Vázquez. É apreciável o crescimento do apoio à FA no interior e entre a juventude.
Em seu primeiro mandato Tabaré Vázquez tentou promover um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, sendo impedido de fazê-lo pela central sindical PIT-CNT e pela oposição nas bases da FA, e pediu a ajuda de George W. Bush contra uma totalmente improvável agressão da Argentina. Estas ações e declarações como que denotavam uma “mudança” na atitude de Washington para com a América Latina e a oportunidade de chegar a “relacionar-nos de outro modo, com tolerância, com respeito, com igualdade de condições apesar das diferenças”; isto provocou críticas em setores da FA, coletividade cujo Plano Político expressa: “nossa convicção anti-imperialista e antioligárquica, base fundamental e sustentáculo da unidade política que representamos”. À frente das críticas esteve a senadora reeleita da FA Constanza Morera, que disputou internamente com Vázquez a candidatura presidencial.
O setor representado por Constanza Morera defende um giro à esquerda na política econômica e social e uma política internacional que propicie avançar na integração regional, na solidariedade com os governos de esquerda e no rechaço aos TLCs, à Aliança do Pacífico e aos tratados militares com o Pentágono. Enfim, para seguir o rumo indicado pelos eleitores.
Isto implica também aprovar a lei da mídia, já apresentada no parlamento, para romper com os monopólios da comunicação e avançar na mudança de matriz produtiva dependente da exportação de matérias primas.
“Não posso, não devo, nem quero trabalhar sozinho. Quero contar com todos os uruguaios para que me acompanhem”, disse Tabaré no discurso da vitória e pediu às organizações populares que o critiquem quando isto for necessário. Palavras alentadoras.
Angel Cabrera é jornalista cubano residente no México e colunista do diário La Jornada