Tática fiscalista e estratégia social-desenvolvimentista
Dilma surpreendeu a oposição adotando suas bandeiras. Mas se a política econômica em curto e médio prazo é manter desemprego baixo, inflação controlada e diminuir o deficit do balanço de transações correntes, em longo prazo a estratégia é continuar as políticas sociais ativas.
Por Fernando Nogueira*, no Brasil Debate
Publicado 03/12/2014 16:23
Uma velha tática política é a que, nos Congressos do PCCh, durante a Revolução Cultural chinesa, denominava-se “brandir as bandeiras vermelhas do adversário”.
Significava se apropriar de uma bandeira de luta da oposição, radicalizá-la no curto prazo, esvaziando o discurso oposicionista, e adequando-a à estratégia de se manter no poder no longo prazo.
É risível a reação de surpresa da oposição, seja do seu líder, que ainda não desceu do palanque no Senado, seja de seus representantes na “grande” imprensa brasileira.
Cobram coerência com as teses que se difundiu durante a campanha. Mas campanha é desconstrução do adversário, governo é construção da Nação. Logo, não há contradição.
A presidenta Dilma Rousseff sabe que a oposição está surpreendida com suas primeiras decisões para exercer o segundo mandato, mas não está nem aí. Quem sacou, entendeu; quem não compreendeu, sacasse…
Se ela não tem paciência para explicar, didaticamente, e seus ministros não têm nem a autonomia nem o dom da comunicação para tal, cabe aos intelectuais do Partido dos Trabalhadores enfrentar o debate.
Eles têm de, simplesmente, mostrar que a política econômica em curto prazo é batalha tática para manter a baixa taxa de desemprego e a taxa de inflação sob controle, além de, em médio prazo, diminuir o déficit do balanço de transações correntes de 3,7% do PIB, ou seja, dos US$ 83 bilhões atuais, para cerca de US$ 65 bilhões financiáveis pela média do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) dos últimos anos.
Em longo prazo, isto é, oito anos até 2022, a guerra estratégica social-desenvolvimentista é dar continuidade às políticas sociais ativas, que levam à inclusão social de consumidores no quinto maior mercado interno nacional na economia mundial, e aos investimentos de R$ 920 bilhões nos próximos cinco anos.
Óleo e gás é o setor que responde pela maior parte com programas de R$ 543,4 bilhões, ou quase 60% do total. É seguido por Transportes (R$ 200 bilhões), Energia (R$ 162,4 bilhões) e Saneamento (R$ 15 bilhões).
A divisão dos R$ 200 bilhões investidos no segmento de Transportes será 28% em Ferrovias, 27% em Portos, 20% em Rodovias, 20% em Mobilidade Urbana e 5% em Aeroportos. A formação bruta de capital fixo — medida do PIB que considera aplicações em construção e máquinas e indica o nível de investimentos produtivos no País — chegará, brevemente, a cerca de 22% do PIB.
Nesse período de transição, composto pelo segundo mandato da Dilma e pelo terceiro mandato do Lula (2019-2022), o País terá preparado as precondições em infraestrutura e logística para ascender ao posto de quinta maior economia no mundo, ultrapassando o PIB da Alemanha.
Será consistente com o que tem a quinta maior população e o quinto maior território com abundância de recursos naturais, além de uma das economias mais diversificadas entre as dos países emergentes que tiram o atraso histórico em relação aos países de capitalismo maduro.
Em 2035, o Brasil será o sexto maior produtor de petróleo do mundo. A Petrobras produzirá 4 milhões de barris de petróleo por dia no período 2020-2030. O País estará produzindo mais que 5 milhões de barris por dia, o dobro do que consome hoje.
Com a exportação do excedente, capitalizará o Fundo Social de Riqueza Soberana (FSRS) e terá condições de sanar os problemas na Educação e Saúde, melhorando a qualidade de vida de seu povo.
A presidenta social-desenvolvimentista sabe que, sendo ela a condutora do governo, levará todos ministros a se entenderem em torno das táticas transitórias para se alcançar essa meta estratégica.
Dilma desmanchou, na prática, a ideia anacrônica de Banco Central independente. Cobrará a coordenação entre Joaquim Levy (política fiscal), Alexandre Tombini (política monetário-cambial), Nelson Barbosa (política de investimentos e concessões), e a política de crédito dos bancos públicos.
Em uma primeira etapa, a prioridade será atingir metas fiscais graduais, definidas até 2017, passando a utilizar a dívida bruta, que inclui as transferências do Tesouro Nacional para os bancos públicos, como principal indicador dos resultados das contas públicas.
O objetivo inicial é a estabilização e, depois, o declínio da relação dívida bruta do governo geral como percentual do PIB de 70% (incluindo títulos em poder do Banco Central) para 50%. As duas políticas de controle da demanda agregada, a fiscal e a monetária, coordenadamente, farão com que a inflação volte ao centro da meta de 4,5% ao ano em 2016.
Para tanto, a política fiscal buscará um superavit primário de 1,2% do PIB para o setor público consolidado em 2015 e de 2% do PIB em 2016 e 2017. Não haverá aumento no estoque de recursos de R$ 507 bilhões que o Tesouro Nacional já injetou nos bancos públicos.
Porém, com a queda da taxa de inflação e consequente diminuição da Selic para nível inferior a 8,5% aa, os depósitos de poupança voltaram a ficar bastantes competitivos face aos fundos. E o desenho institucional de captação de funding para financiamento em longo prazo, reformado no primeiro mandato da Dilma, voltará a funcionar.
Grandes empresas não-financeiras emitirão títulos de dívida direta (debêntures) com longo prazo de vencimento, cujos lançamentos serão operações estruturadas por bancos que oferecerão “garantia firme” de colocação junto aos investidores e/ou na própria carteira de ativos.
Bancos emitirão Letras Financeiras, com dois ou cinco anos para vencimento, que segregarão em “administração de recursos de terceiros”, isto é, nos fundos de investimentos.
Os investidores desses fundos, quando abaixar a taxa de juros de referência, em termos reais, ficarão dispostos a assumir maior risco, diversificando entre o risco privado e o risco soberano, com a finalidade de aumentar o retorno financeiro.
Essa busca de estabilidade econômica não implicará renunciar às conquistas sociais recentes, apenas adequar a velocidade de transição ao cenário macroeconômico dos próximos anos para se alcançar a meta estratégica social-desenvolvimentista. Esta continuará sendo a prioridade governamental.
*Fernando Nogueira da Costa é professor livre-docente do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007)