Leonardo Boff: Se conhecêssemos os sonhos do homem branco
A crise econômico-financeira que está afligindo grande parte das econonomias mundiais criou a possibilidade de os muito ricos ficarem tão ricos como jamais na história do capitalismo, logicamente à custa da desgraça de países inteiros como a Grécia, a Espanha e outros e de modo geral toda a zona do Euro, talvez com uma pequena exceção, da Alemanha.
Por Leonardo Boff*, em seu blog
Publicado 16/11/2014 11:33
Ladislau, professor de economia da PUC-SP, resumiu um estudo do famoso Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH) que por credibilidade concorre com as pesquisas do MIT de Harvard. Neste estudo se mostra como funciona a rede do poder corporativo mundial, constituída por 737 atores principais que controlam os principais fluxos financeiros do mundo, especialmente, ligados aos grandes bancos e outras imensas corporações multinacionais. Para esses, a atual crise é uma incomparável oportunidade de realizaram o sonho maior do capital: acumular de forma cada vez maior e de maneira concentrada.
O capitalismo realizou agora o seu sonho possivelmente o derradeiro de sua já longa história. Atingiu o teto extremo. E depois do teto? Ninguém sabe. Mas podemos imaginar que a resposta nos virá não de outros modelos de produção e consumo mas da própria Mãe Terra, de Gaia, que, finita, não suporta mais um sonho infinito. Ela está dando claros sinais antecipatórios, que no dizer do prêmio Nobel de medicina Christian de Duve (veja o livro Poeira Vital: a vida com imperativo cósmico, 1997) são semelhantes àqueles que antecederam às grandes dizimações ocorridas na já longa história da vida na Terra (3,8 milhões de anos). Precisamos estar atentos, pois os eventos extremos que já vivenciamos nos apontam para eventuais catástrofes ecológico-sociais ainda na nossa geração.
O pior disso tudo que nem os políticos, nem grande parte da comunidade científica e mesma da população se dá conta dessa perigosa realidade. Ela é tergiversada ou ocultada, pois é demasiadamente anti-sistêmica. Obrigar-nos-ia a mudar, coisa que poucos almejam. Bem dizia Antonio Donato Nobre num estudo recentíssimo (2014) sobre O futuro climático da Amazônia: ”A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe, (as grande secas que virão) estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas e plantando árvores em sua propriedade”.
Falta-nos um sonho maior que galvanize as pessoas para salvar a vida no Planeta e garantir o futuro da espécie humana. Morrem as ideologias. Envelhecem as filosofias. Mas os grandes sonhos permancecem. São eles que nos guiam através de novas visões e nos estimulam para gestar novas relações sociais, para com a natureza e a Mãe Terra.
Agora entendemos a pertinência das palavras do cacique pele-vermelha Seattle ao governador Stevens, do Estado de Washington em 1856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique não entendia por quê se pretendia comprar a terra. Pode-se comprar ou vender a aragem, o verdor das plantas, a limpidez da água cristalina e o esplendor das paisagens? Para ele, tudo isso é terra e não o solo como meio de produção.
Neste contexto reflete que os peles-vermelhas compreenderiam o porquê e a civilização dos brancos “se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que esse transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inverno, e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã”.
Qual é o sonho dominante de nosso paradigma civilizatório que colocou o mercado e a mercadoria como o eixo estruturador de toda a vida social? É a posse de bens materiais, a acumulação financeira maior possível e o desfrute mais intenso que pudermos de tudo o que a natureza e a cultura nos podem oferecer até à saciedade. É o triunfo do materialismo refinado que coopta até o espiritual, feito mercadoria com a enganosa literatura de auto-ajuda, cheia de mil fórmulas para sermos felizes,construída com cacos de psicologia, de nova cosmologia, de religião oriental, de mensagens cristãs e de esoterismo. É enganação para criar a ilusão da felicidade fácil.
Mesmo assim, por todas as partes surgem grupos portadores de nova reverência para com a Terra, inauguram comportamentos alternativos, elaboram novos sonhos de um acordo de amizade com a natureza e creem que o caos presente não é só caótico, mas generativo de um novo paradigma de civilização, que eu chamaria de civilização de re-ligação, sintonizada com a lei mais fundamental da vida e do universo, que é a panrelacionalidade, a sinergia e a complementariedade.
Então teríamos feito a grande travessia para o realmente humano, amigo da vida e aberto ao Mistério de todas as coisas. Ou mudamos ou seguiremos um triste caminho sem retorno.
Leonardo Boff*: Doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985 foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).
A partir dos anos 80 começou a aprofundar a questão ecológica como prolongamento da teologia da libertação, pois não somente se deve ouvir o grito do oprimido, mas também o grito da Terra porque ambos devem ser libertados. Em razão deste compromisso participou da redação da Carta da Terra junto com M. Gorbachev, S. Rockfeller e outros. Escreveu vários livros e foi agraciado com vários prêmios.